Horas depois dos atentados de 22 de março, em Bruxelas, Carlos Branco decidiu não perder tempo e escrever sobre o que acontecera na capital belga. Em pouco mais de três mil caracteres e com o provocador título de “Não é terrorismo, é insurgência, estúpido!”, o major-general criticava analistas, académicos, jornalistas e políticos por não querem discutir a questão de fundo que, segundo ele, tornou possível a um grupo de jovens matar 35 pessoas e ferir perto de três centenas na cidade que acolhe a sede da NATO e das principais instituições da União Europeia. Agora, em declarações exclusivas à VISÃO, explica por que motivo está a Europa a ser confrontada com uma ameaça civilizacional e qual a melhor forma de lidar com esse desafio.
“Já estávamos em guerra antes do anúncio formal feito pelo Presidente Hollande, no rescaldo do trágico acontecimento que ocorreu na casa de espetáculos Bataclan, em Paris, que motivou a morte de 130 pessoas. Devemos, contudo, tentar perceber a real dimensão da frase. Não podemos descartar a reivindicação destes ataques pelo Daesh para efeitos de propaganda e, assim, galvanizar os seus acólitos. Questiono a sua capacidade para planear e comandar diretamente estes ataques. Esta tese tem o perigo de desviar a nossa atenção de outra mais importante, onde reside o cerne da questão”. E aqui chegamos à polémica que lhe interessa suscitar. “Sem menosprezar a ameaça do Daesh – nem fazendo tabua rasa das operação de mudança de regime que lhe deram origem, levadas a cabo na Líbia, no Iraque e mais recentemente na Síria -, chegou a hora dos europeus tomarem consciência de que o projeto de construírem um continente unificado e pacífico está em perigo”.
Como e por quem? A sua resposta é categórica: “Pelos grupos que, no seio da Europa, contestam a matriz civilizacional desse projeto, e que têm uma expressão demográfica cada vez maior; grupos que a Europa não foi capaz de integrar, mesmo com políticas de integração inclusivas. Está na altura de percebermos que, se não forem tomadas medidas, a Europa enfrenta um problema existencial a médio prazo. E então aí, a probabilidade da Europa se envolver noutra guerra é extremamente elevada. Falamos de uma guerra sectária e fratricida onde cultura e desigualdades serão politizadas.” Um explicação que visa diretamente a minoria muçulmana, embora o oficial sublinhe que não tem a mínima intenção de estigmatizar ou “lançar anátemas sobre quem quer que seja” como tem insistido publicamente nos últimos dias. Nesse ponto, até parece estar de acordo com o politólogo francês Olivier Roy, que anda há anos a alertar para “revolta geracional e nihilista” de alguns jovens europeus, e também com Didier Gosuin, ministro do Emprego do Governo metropolitano de Bruxelas para quem “as causas sociais não devem servir de desculpa para barbárie”.
Tendo em conta que mais de cinco mil europeus rumaram à Siría e ao Iraque seduzidos pelo ideiais jiadistas e centenas deles regressaram prontos a espalhar o caos e o terror no Velho Continente tudo indica que estamos perante um combate que promete ser longo. Será assim? “Não sei se o combate ao Daesh vai ser longo. O projeto do Califado sofreu recentemente revezes significativos e parece estar comprometido. Desconheço a capacidade para se regenerar. O grande desafio da Europa reside noutra frente, e esse será seguramente muito longo e complicado.” Um desafio que poderá obrigar a Europa a israelizar-se, no sentido de reforçar todas as suas estruturas de segurança, “contra os grupos subversivos que proliferam no seu interior”. Mas isso pressupõe ainda que se definam prioridades imediatas para evitar que ataques como o de Bruxelas não passem a fazer parte do nosso quotidiano: “As decisões tomadas na reunião de ministros da Justiça e da Administração Interna de 24 de março de 2016 foram mais do mesmo. Nada de novo saiu daquela reunião. Os assuntos cruciais não estão ainda na agenda. Como lidar com grupos de cidadãos que contestam a ordem estabelecida e os seus valores? Ninguém tem respostas para este problema. Os cidadãos não podem deixar esse debate exclusivamente para os políticos. A reflexão tem de envolver a sociedade civil. Terá de ser um debate à escala europeia. E terá igualmente que envolver todos os grupos que integram a sociedade, quanto mais tarde se fizer pior.”