São dez da manhã e o sol já escalda junto ao cais da Doca do Espanhol, em Alcântara. Um grupo de convidados e de músicos prepara-se para embarcar rumo a Pedrouços, o cais recuperado há três anos para receber pela primeira vez o maior evento de vela do mundo, a Volvo Ocean Race. Na agenda está reservada uma viagem ao longo do Tejo, durante toda a manhã, enquanto é anunciado o cartaz musical da segunda passagem desta corrida por Portugal, que decorre até 7 de junho. Um programa pensado ao detalhe, feito a bordo de um luxuoso iate, o único a navegar no estuário do Tejo com capacidade para 150 pessoas.
Enquanto os veleiros da Volvo Race estiverem ancorados em Pedrouços, a empresa proprietária deste iate não vai ter mãos a medir. O iate, cinco semirrígidos e dez barcos à vela vão estar em serviço de apoio permanente, a partir do mar, às equipas e aos vips convidados da regata. Um bom negócio, a juntar aos que têm feito nos últimos 13 anos, quando se lançaram ao rio pela primeira vez. “Quando começámos, quase não havia nada em Lisboa. Agora existem muitas pequenas empresas a trabalhar, sobretudo para grupos de amigos, festas e até despedidas de solteiro. Mas nada preparado para grandes eventos de empresas, como nós”, assegura João Mendonça, proprietário do Grupo Water X e deste iate de luxo. “O País começa a virar-se para o mar. As entidades oficiais apostam mais na captação de eventos náuticos e isso traz resultados. Sempre existiu este potencial, mas as pessoas não olhavam para o rio”, acrescenta João Mendonça. Na Europa, o turismo náutico é dos que apresentam maiores taxas de crescimento, entre 8% e 10% ao ano, sendo-lhe atribuída a responsabilidade direta por mais de três milhões de turistas. Espanha, França e Itália são os principais concorrentes de Portugal, que tem ainda um longo caminho a percorrer para conquistar uma quota de mercado significativa neste nicho de negócio.
O poder dos grandes eventos
Nas últimas semanas, a doca de Pedrouços parece ter renascido. Há um corrupio de gente, camiões e máquinas que, dia a dia, dão um novo ar ao espaço. Dentro de uma semana, esperam-se perto de 500 mil visitantes ao longo dos 14 dias em que a Volvo Ocean Race para em Lisboa. Mais 300 mil do que o observado em 2012 e que vão dar trabalho a mil pessoas e encher muitos quartos nos hotéis de 4 e 5 estrelas da cidade. A passagem da Volvo Ocean Race é uma das maiores conquistas nos últimos anos no turismo náutico de Lisboa. O País é o único da Europa onde a competição para, e a organização tem estado tão satisfeita que a empresa promotora do evento em Portugal está a tentar ganhar o negócio da manutenção e reparação das embarcações a partir de 2019. Contas feitas, cada equipa gasta em média entre 150 mil a 200 mil euros por mês ao longo de quase um ano. Por agora, as atenções estão concentradas nos 14 dias em que as sete equipas e um total de mil pessoas estarão a trabalhar para que esta paragem de duas semanas seja um sucesso.
Portugal tem um custo estimado com este evento de quatro milhões de euros, assumidos pela empresa organizadora no nosso país, Urban Wind, a Câmara Municipal de Lisboa e o Porto de Lisboa. No entanto, aquele que é o quarto evento desportivo mais visto em todo o mundo, teve, só em 2012, um impacto económico estimado em 30 milhões de euros no País. “Portugal tem um potencial fantástico. É um sítio bonito, ideal para receber convidados. Gostava que tivesse a sua própria equipa a competir. Seria uma ajuda enorme para promover o País e a cidade de Lisboa”, revela Knud Frostad, CEO da Volvo Ocean Race. O gestor, que também já competiu em edições anteriores, conhece como poucos as várias etapas da corrida e mostra-se fascinado pelo potencial marítimo de Portugal. “A edição anterior correu muito bem e foi um sucesso. Fiquei surpreendido. ?O País estava em crise e achava que as pessoas não iam gastar muito dinheiro, o que não aconteceu. Para esta edição, espero que o impacto económico seja ainda muito maior, já que as condições são melhores”, acrescenta o responsável pela regata.
Mudanças no rio
Desde a realização da Expo’98 que a cidade começou a tentar fazer as pazes com um rio que se via sujo a milhas, estava maltratado com esgotos a céu aberto e era povoado sobretudo por cargueiros, barcos de pesca e cacilheiros. No estuário do Tejo, já a caminho do cruzamento com o Atlântico, no concelho de Oeiras, começavam a surgir as primeiras escolas de vela e pequenas docas. Os passeios concentravam-se, sobretudo da linha de barra para norte, em direção a Cascais. As licenças e os complicados processos burocráticos na baixa ribeirinha da cidade faziam desvanecer qualquer empresário mais arrojado. Junto às Docas de Alcântara, a animação limitava-se a dois barcos-restaurante atracados a terra e os tradicionais barcos para levar os turistas a passear por uma ou duas horas. Na última década, as mudanças foram brutais. Os novos planos turísticos passaram a contemplar a atividade náutica como um produto independente e com enorme potencial de crescimento. A cidade ganhou um passeio ribeirinho, o rio conquistou perto de três metros de profundidade e aumentou a sua navegabilidade e, em Santa Apolónia, nasceu um terminal de cruzeiros. Desde 2008 que o número de cruzeiros que atraca em Lisboa cresce de forma sustentada. Mal chegam a terra, os milhares de turistas seguem rumo à cidade, aumentando as receitas turísticas da cidade. No Porto de Lisboa, foi criado um departamento para a atividade marítimo-turística e, aos poucos, os espaços geridos por esta entidade pública têm vindo a modernizar as docas e a criar uma relação mais próxima com os empresários. As entidades públicas tentam captar cada vez mais eventos náuticos?como a Volvo Ocean Race ou a Tall Ship, que atraem milhares de visitantes e aumentam a notoriedade do Tejo como um destino náutico internacional.
Hoje, existem dezenas de pequenas empresas que oferecem um sem-número de diferentes serviços, com preços a partir de 20 euros por pessoa, e que vão desde os tradicionais passeios e festas até ao famoso autocarro anfíbio e à mais recente estreia no Tejo – os quatro roteiros turísticos feitos em cruzeiros da Carristur.
No caso de João Mendonça, apaixonado desde criança pelo mar, viu o Tejo como oportunidade de vida há mais tempo. João decidiu, juntamente com a namorada Inês, mudar o rumo da sua vida e lançou um serviço de organização de regatas à vela para empresas. “Fui responsável durante dois anos pelo Festival dos Oceanos, no Parque das Nações, um evento que pretendia prolongar o espírito da Expo’98, e durante 15 dias oferecia diversas atividades para que as pessoas vivessem o rio. Foi nessa altura que senti uma dificuldade enorme em encontrar embarcações para estes eventos e percebi que era uma oportunidade de negócio”, recorda o dono da Water X.
Em 2000, largou o emprego e decidiu alugar barcos em duas escolas de vela, existentes na cidade, para poder fazer as regatas das empresas. Depois, João e Inês passaram para os barcos a motor, com que organizaram saídas para pesca desportiva e, em 2002, lançaram para o rio os seus primeiros barcos. Não um, mas cinco semirrígidos, e apenas ao fim de um ano e meio de esforços junto da banca e de investidores para terem o capital necessário. “Na altura, as pessoas não tinham ideia do potencial da economia do mar e não foi fácil convencê-los a emprestarem-nos dinheiro”, lembra João Mendonça.
Há um ano, com apoio de fundos comunitários, estrearam o primeiro iate de luxo desenhado e construído em Portugal. Custou perto de um milhão de euros. Em 2014, faturaram 700 mil euros e transportaram 14 mil pessoas. Este ano, contam chegar ao milhão de euros de faturação, um valor que deverá continuar a subir à medida que forem colocando no rio os outros dois barcos que estão a ser construídos nos estaleiros de Vila Real de Santo António: um suttle, com vista panorâmica, para 60 pessoas, pensado especificamente para recolher passageiros na marina do Parque das Nações, turistas que chegam do aeroporto e fazem a sua introdução à cidade a partir do rio; e um segundo barco, estilo vintage, menos rápido, mas com ótimas condições para que as pessoas possam desfrutar da paisagem. Cada viagem a bordo do iate custa entre €2 500 e 7 mil euros. Os clientes são obrigados a comprar a opção de bar, mas depois existem diferentes opções de catering à escolha.
Um iate e uma lua-de-mel
Dirk Gesink é um navegador holandês que chegou a Portugal pela primeira vez há 28 anos. Estava em lua-de-mel quando quis alugar um barco à vela para passear com a sua noiva Heleen, mas depressa percebeu que não havia quem lhe prestasse esse serviço. Decidiu que, no limite, ao fim de um ano estaria de volta a Lisboa para arrancar com esse negócio. E assim o fez. Comprou na Bélgica um barco à vela centenário que já tinha dado a volta ao mundo e que batizou de Leão Holandês. Orgulha-se de ter a primeira licença de operador marítimo turístico em Lisboa. Mesmo quando se apressa a acrescentar, em tom divertido, que, se soubesse o que sabe hoje, não teria investido no nosso país, por causa da burocracia.
Com mastros a perder de vista e um cheiro a madeira que faz recuar para outros tempos, este faustoso veleiro é hoje um ex-líbris dos negócios do Tejo. Leva 75 pessoas e desde que começou a navegar transporta grupos de empresas ou amigos, que alugam o veleiro por duas horas ou um dia inteiro, à procura de diversão e de experiências diferentes. Fazemos muitos eventos, muitas ações de dinamização de equipas, festas que chegam através de agências e operadores turísticos. Grande parte dos clientes são estrangeiros: alemães, franceses, escandinavos, holandeses.” Existem empresas que vêm aqui todos os anos fazer os seus programas de incentivo para os trabalhadores. “A diferença do rio para hoje é enorme. Quando começámos a trabalhar, era difícil encontrar sumo de laranja à venda para servirmos a bordo. Hoje não falta escolha e até nos fazem as entregas no barco, se quisermos”, conta Dirk.
Apesar das melhorias e do crescimento do negócio à boleia do sucesso turístico de Lisboa, o empresário holandês não esconde o seu desapontamento com as burocracias que pesam sobre o setor. Há um ano e meio que têm um outro veleiro parado ao lado do Leão Holandês, porque ainda não conseguiram a licença para operar no rio. Trata-se de um veleiro mais pequeno, com capacidade para 30 pessoas, que o casal foi buscar para responder aos pedidos de grupos mais pequenos, como as festas de despedida de solteiro ou ao final do dia, que estão na moda. Apesar de licenciado para operar na Holanda, o que deveria ser suficiente para trabalhar em qualquer país da União Europeia, o processo de autorização tem sido difícil, com as autoridades a exigirem uma lista infindável de requisitos, muitos deles desajustados, como balsas pneumáticas, quando o veleiro nem tem espaço para as ter. Quando for licenciado, este será o primeiro barco com estas características a poder navegar pelo rio acima, pela Vasco da Gama até à Azambuja, tirando partido da reserva natural do estuário.
No Leão Holandês, os passeios podem custar entre 2 200 e 6 000 euros, sendo que o valor mínimo são 40 euros por pessoa, dependendo do tempo, roteiro e dos menus escolhidos. Por agora, a empresa só trabalha com grupos e empresas, e 95% dos clientes são estrangeiros. A bordo do veleiro centenário, o cliente pode escolher o que quer fazer. Desde workshops ligados ao mar, a casamentos, batizados e até funerais, como já tem acontecido. Falta apenas o outro barco a navegar para que consigam aumentar a oferta para os turistas.
Apesar das dificuldades ainda sentidas pelos empresários, as entidades públicas têm feito nos últimos anos um esforço no sentido de incentivar o crescimento do turismo náutico no Tejo. Este ano, a doca de Santo Amaro hasteou a bandeira azul, a primeira entregue a uma marina portuguesa e que recompensa o investimento feito nos serviços e na qualidade das águas. Nuno Almeida, diretor do departamento de desporto e náutica da Administração do Porto de Lisboa (APL), revela que esta é a área que mais tem crescido entre as quatro marinas que gerem – Alcântara, Belém, Bom Sucesso e Santo Amaro. “Temos o maior estuário da Europa e uma proximidade à capital única. O estuário tem capacidade para abrigar as embarcações do mau tempo, permitindo a sua navegação quase todo o ano. Ao mesmo tempo, os turistas podem sair dos barcos e entrar no centro da cidade, o que é raro no mundo. É um potencial enorme”, garante Nuno Almeida. Depois de tantos anos de costas voltadas, a cidade volta a abraçar o rio, enquanto lucra com os prazeres da navegação.
NOVOS PROJETOS
Ao longo dos próximos quatro anos, a cidade deverá ficar ainda melhor equipada para desenvolver o turismo náutico Estação fluvial sudeste até 2019 Faz parte do plano de atividades da Associação de Turismo de Lisboa e pretende reunir num único local toda a atividade marítimo-turística da cidade Novo terminal de cruzeiros Localizado em Santa Apolónia, deverá ser inaugurado ainda este ano e permite melhorar a forma como são recebidos os passageiros Pontos de embarque ?e desembarque ao longo do rio Os que existem ou são da Transtejo ou estão degradados. Com estes pontos, facilita-se a entrada e saída de passageiros em vários pontos da cidade Doca de Santo Amaro Transformada na grande base da atividade marítimo-turística, vocacionada também para famílias e crianças