É muito para quem paga, pouco para quem recebe. O Salário Mínimo Nacional (SMN) era, até hoje, de 557 euros brutos mas, no fim do mês, o trabalhador apenas levava para casa 495,73 euros. A parte em falta – 61,27 euros ou 11% do valor – é descontada para a Segurança Social. Para as empresas, a retribuição mínima representa um custo muito maior. Ao valor do salário líquido do trabalhador, acrescem 117,74 euros da Taxa Social Única (23,75%) que recai sobre os patrões. A este montante, somam-se outros encargos de valor fixo (subsídios de férias e de Natal) ou variável, como o subsídio de refeição, o seguro de acidentes de trabalho e o contributo (0,925% da retribuição base) para o Fundo de Compensação do Trabalho. E assim a despesa dos patrões cresce para cerca de 900 euros mensais por trabalhador.
As empresas têm alguns benefícios com o atual regime, pagando uma TSU de valor inferior caso admitam jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração, mas os encargos com pessoal são sempre pesados. Foi essa a mensagem que os patrões passaram em cada ronda da Concertação Social. O Governo tem cumprido o acordo à esquerda, que prevê a escalada do SMN até aos 600 brutos em 2019, mas as centrais sindicais queriam ir mais depressa. Radical, a CGTP defendia a fixação desse valor já em 2018, mas o Governo só avançou até aos 580 euros.
Com a atualização que entra a vigor neste primeiro dia do ano, cada um dos 713,2 mil trabalhadores (abrangidos pelo SMN em setembro de 2017) arrecadará, no final de cada mês, mais 20,47 euros líquidos, num total de 516,2 euros. Para os patrões, são mais 27,86 euros por mês por trabalhador. Num caso e noutro, é um aumento de menos de um euro por dia. Nos últimos dois anos, desde que o acordo sobre o aumento do SMN entrou em vigor, economistas à esquerda e à direita alertaram contra os efeitos de atualizações anuais da ordem dos 5% sobre o mercado de trabalho.
Enganaram-se. A criação de emprego regista números que não se viam desde o início da crise. No terceiro trimestre, a taxa de desemprego desceu para 8,5%, o que não sucedia desde finais de 2008. Nos doze meses anteriores, foram criados 141 mil postos de trabalho em Portugal.
Luís Aguiar-Conraria, docente na Universidade do Minho foi um dos economistas que alertou, nos últimos dois anos, contra os riscos de uma atualização do SMN. Ouvido pela VISÃO, continua a mostrar-se preocupado com os efeitos sobre o emprego, mas é taxativo quando admite que “os factos desmentem” as suas opiniões. “As empresas sabiam que o SMN iria continuar a aumentar e, mesmo assim, recrutaram pessoas”, diz. “Há qualquer coisa que ainda ninguém consegue explicar, mas o aumento do SMN não prejudicou a recuperação económica nem o emprego”, reconhece.
Retrato do assalariado mínimo
Afinal, quantos são e quem são os trabalhadores que ganham o salário mínimo em Portugal?
Com a subida de valor nos últimos anos, o número de trabalhadores com SMN foi aumentando para os atuais 713,2 mil, de acordo com os dados recolhidos até setembro de 2017 pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, publicados no relatório de acompanhamento do acordo sobre a retribuição mínima.
Se os trabalhadores com o SMN representavam 12,6% do total da população empregada em janeiro de 2010, esse valor subiu para 14% em setembro de 2014. O descongelamento, ainda nesse ano, fez com que abrangesse 17,2% dos trabalhadores em 2015 e 20,5% em 2016. Em janeiro de 2017, subiu para 22,8% e, em setembro caiu para 21,6%. Na massa salarial nacional, o SMN representa uma fatia de 10,8%.
Com a recuperação económica e a criação de emprego, o número de trabalhadores que ganham o SMN também subiu. Até setembro, foram iniciados cerca de 834,4 mil contratos de trabalho (mais 10,6% face ao período homólogo de 2016). Em cerca de 39,4% desses contratos, os trabalhadores receberam a remuneração mensal mínima.
Apesar deste aumento, o retrato de quem ganha o SMN mantém-se mais ou menos igual ao que existia antes da crise. Contempla mais as mulheres (53,6% do total) e os trabalhadores com menos de 25 anos (8,8%). Cerca de 67,1% têm apenas o ensino básico – o nível habilitacional de 50,3% dos trabalhadores em Portugal – e exercem atividade principalmente no comércio por grosso e a retalho (24,7%), na reparação de veículos (21,1%) e ainda nas indústrias transformadoras (20,7%). A maioria (40,8% do total) residia na região Norte.
São as microempresas (até 9 trabalhadores) que empregam mais de dois terços das pessoas com o SMN (72,4% do total). As empresas muito pequenas representam metade do tecido empresarial português, mas apenas criam 25% do emprego a nível nacional.
O relatório do Governo conclui ainda que, entre 2011 e 2015, o SMN teve uma evolução negativa e muito abaixo da produtividade, refletindo a crise e as medidas de austeridade da troika. A partir de 2016, o aumento do SMN começa a ultrapassar o crescimento da produtividade, tendência que deverá manter-se em 2017.
Uma remuneração “decente”
Conhecidos os números, recordemos os princípios que presidiram à criação do salário mínimo nacional em 22 dos 28 Estados membros da União Europeia. Em Portugal, foi fixado pela primeira vez em maio de 1974, com o valor de 3 300 escudos.
O Código do Trabalho e a Constituição Portuguesa, mas também instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a União Europeia reconhecem o direito dos trabalhadores a “uma remuneração justa”. A Carta Social Europeia define, no seu artigo 4º, o reconhecimento do direito dos trabalhadores a “uma remuneração suficiente para lhes assegurar, assim como às suas famílias, um nível de vida decente”. E o Pilar Europeu dos Direitos Sociais reconhece o papel do salário mínimo na luta contra a pobreza e na prevenção do trabalho precário, oferecendo “uma remuneração equitativa” aos que se encontram no extremo inferior da escala salarial.
Em Portugal, as estatísticas mostram que 11% da população empregada encontra-se em risco de pobreza. Trabalham, recebem um salário, mas são pobres. Uma realidade que demonstra como o aumento do SMN pode ser uma ferramenta de combate à pobreza e exclusão social.
(Artigo publicado na VISÃO 1292 de 7 de dezembro)