Com quase 60 anos, António Mexia é o gestor mais bem pago do País. Costuma ser notícia por causa do salário anual e dos prémios de gestão que, nos anos bons, podem superar os 3 milhões de euros ilíquidos. Nos últimos dias, voltou a ter destaque de primeira página, mas por outras razões. Ele e mais seis responsáveis e ex-responsáveis da EDP e da REN são arguidos na mais recente investigação do Ministério Público envolvendo figuras públicas e gestores de primeira linha.
Sob suspeita, estão as compensações à EDP pagas pelos consumidores na fatura da eletricidade, ao abrigo dos chamados CMEC Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual. Depois da Operação Marquês, envolvendo o ex-primeiro-ministro José Sócrates, do colapso do BES e da implosão da PT, que pôs a nu a rede de influências de Ricardo Salgado, os investigadores concentram-se agora na figura do gestor que, em Portugal, já fez quase tudo o que havia para fazer, antes de chegar ao topo da carreira. Um percurso feito de luzes, mas também de sombras. Como veremos mais adiante.
Por agora, recuemos a 2007, para recordar os factos que estão sob investigação. E voltemos à Barragem do Castelo de Bode, em Tomar, onde o ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, anunciou a decisão tomada em março desse ano, em Conselho de Ministros: a EDP iria receber mais dinheiro de compensações por passar a vender a energia das suas centrais elétricas no mercado livre. A atualização em alta dos pagamentos fez correr muita tinta nos jornais, até que, em 2010, Manuel Pinho que saíra do Governo de Sócrates no ano anterior, depois da polémica cena do par de cornos no Parlamento arranjou um novo emprego, patrocinado pela EDP, como professor na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Dois anos depois, chegava ao Ministério Público uma denúncia anónima dando conta de que a cátedra de energias renováveis, em Nova Iorque, teria sido uma contrapartida pelo novo regime de remuneração da EDP, aplicado a partir de 2007, por decisão do ex-governante Manuel Pinho, e que os novos CMEC teriam sido um benefício pouco claro dado pelo Estado à elétrica. Mas só este ano o processo teve desenvolvimentos. Ao que a VISÃO averiguou, o procurador titular do inquérito, Carlos Casimiro, pediu ao Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que declarasse a especial complexidade do processo e aplicasse o segredo de justiça.
Estranhando porque o processo estivera praticamente parado durante cinco anos (tem apenas 5 volumes), o juiz Ivo Rosa recusou. Em reação, os investigadores partiram para a primeira ronda de buscas, na sexta-feira, 2 de junho, acabando por constituir arguidos e dando à defesa destes o argumento de que a operação terá sido montada de forma célere e precipitada para interromper os prazos de contagem do inquérito e, desta forma, impedir a prescrição dos alegados crimes.
António Mexia, presidente executivo da EDP, e João Manso Neto, à época administrador da EDP Produção e hoje presidente da EDP Renováveis, são os nomes mais sonantes entre os arguidos, sendo suspeitos de corrupção e de participação económica em negócio. Ao contrário do que é habitual nestes processos mediáticos, não foram interrogados logo após as buscas, nem sequer notificados para o serem. Também Pedro Rezende, ex-administrador da EDP, e Jorge Machado, ex-diretor-geral da EDP, foram constituídos arguidos.
Do lado da REN, para já, são três as figuras suspeitas: Rui Cartaxo, ex-presidente executivo da empresa e atual chairman do Novo Banco, Pedro Furtado, diretor de regulação, e João Faria Conceição, antigo consultor da Boston Consulting Group que chegaria a assessorar Pinho em questões de política energética e que, em 2009, assumiria funções de administrador na REN.
Manuel Pinho foi hoje constituído arguido. Depois de terem sido noticiadas as buscas, António Mexia garantiu, em conferência de imprensa, a 6 de junho, que a EDP não obteve qualquer benefício com a revisão dos contratos de energia no tempo de Manuel Pinho. Alertou que a história “não é nova” e reafirmou a confiança do maior acionista da elétrica, a China Three Gorges. “Se alguém pondera a demissão? Não”, disse ainda, no seu estilo habitualmente determinado.
LIGAÇÕES PERIGOSAS
António Mexia tem um percurso inteiramente construído em Portugal nas últimas três décadas. Dirigiu grandes empresas de capitais públicos e privados Gás de Portugal, Galp Energia e EDP, consolidou a carreira à sombra protetora do Grupo Espírito Santo (no BESI, antigo banco de investimento do grupo familiar), desempenhou um cargo público no antigo ICEP, foi ministro das Obras Públicas do curto Governo de Santana Lopes, deu rosto ao Compromisso Portugal e, desejoso de estender a sua influência ao BCP, movimentou-se nos bastidores para formar um grupo de acionistas capaz de tomar de assalto o maior banco privado nacional. Em 2006, foi nomeado presidente da EDP, onde se mantém até hoje. Apostou nas renováveis, pôs em prática uma estratégia agressiva de aquisições, internacionalizou a empresa e aumentou a dívida da EDP para uns astronómicos 17 mil milhões de euros.
Com habilidade, cativou o acionista chinês, saído da última fase de privatização, em 2012, ao ponto de merecer o seu voto de confiança já depois de ter sido constituído arguido no âmbito desta investigação ao regime dos CMEC. Vulgarmente conhecidos por rendas excessivas, que a troika tentou, mas não foi capaz de eliminar, os CMEC são apontados como uma das causas do aumento das tarifas da eletricidade pagas pelos portugueses e também pelo défice tarifário associado.
Em Manuel Pinho, ex-quadro do BES, ex-ministro da Economia (com a pasta da Energia) de Sócrates, Mexia terá encontrado um aliado na renegociação dos CMEC, para compensar a EDP pelos custos de construção das centrais (térmicas e hídricas) de produção de eletricidade em Portugal. Aliás, ambos tinham já trabalhado para o Grupo Espírito Santo.
Durante a renegociação dos CMEC, a “intromissão” de António Mexia nos trabalhos do Ministério da Economia causou profundo mau estar. Pinho acabou por afastar o secretário de Estado da Energia, Castro Guerra, e chamou a si a renegociação. Em julho de 2009, quando se demitiu do Governo, Manuel Pinho fez as malas e, no ano seguinte, rumou à Universidade de Columbia, para dar aulas na recém-criada cátedra de energias renováveis financiada pela EDP em 1,2 milhões de dólares (300 mil dólares por cada um dos seus 4 anos de duração).
Há mais de uma década à frente da elétrica, Mexia já vai no seu terceiro mandato, que se prolonga até 2020. Mas o novo acionista chinês gosta de discrição. O gestor talentoso aguentará até lá?
O que são os CMEC?
– Os CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual) surgiram em 2004 e funcionam como uma renda paga aos produtores de energia para os compensar do investimento que fizeram nas centrais elétricas. Os pagamentos compensatórios são fixados em €3 356 milhões, com ajustamentos anuais, ao longo de 10 anos.
– Vieram substituir os antigos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), preparando os produtores para a entrada no mercado liberalizado. Caso a EDP não consiga obter um certo nível de receita, os CMEC servem para a compensar, garantindo uma rentabilidade certa.
– Não é o Estado que paga diretamente os CMEC’s à EDP; são os consumidores, nas “taxas e taxinhas” da fatura da eletricidade. Todos e não apenas os clientes da EDP.
– Em 2007, é revisto o preço de referência no mercado livre (de €36 para €50 por MWh), ao mesmo tempo que se reduz em 75% os CMEC, para €833 milhões, igualmente sujeitos a ajustes anuais. Quem faz estes ajustes é a REN.
– Contudo, os valores pagos à EDP são muito superiores. Segundo a ERSE, atingem €2 545 milhões, entre 2007 e 2017. A elétrica reconhece que a compensação foi sempre favorável porque o preço de mercado baixou e o acerto de contas final subiu.
– Ainda em 2007, a EDP paga ao Estado €759 milhões para prolongar a concessão de mais de 20 barragens. O valor gera dúvidas e dá origem a uma queixa de um grupo de cidadãos em Bruxelas, arquivada a 15 de maio.
– Beneficiam dos CMEC 34 centrais elétricas da EDP (8 térmicas e 26 barragens). Até final de 2016, extinguiram-se 17 desses contratos, mantendo-se ativos outros tantos.