Ainda não é certo que a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) venha a ter impacto sobre o défice orçamental, mas dificilmente deixará de afetar a dívida pública portuguesa que, entretanto, voltou a entrar em trajetória ascendente – 240,9 mil milhões de euros em junho, o que equivale a 131,9 % do PIB.
Em entrevista ao Jornal de Negócios, a presidente do IGCP, Cristina Casalinho, garante que a injeção de capital estatal na CGD não vai alterar os planos de financiamento para 2016 do instituto que gere a dívida pública portuguesa, mas admite que os reembolsos antecipados da dívida ao FMI possam ficar aquém dos 6,6 mil milhões de euros inicialmente previstos para este ano. Parte desse valor – 2,6 mil milhões de euros – “pode ter outros destinos”, diz Casalinho, deixando perceber que o Governo está a ponderar afetar esse montante à recapitalização da CGD.
Conforme acordado em Bruxelas, a recapitalização da CGD será composta por três parcelas: investimento público de 2,7 mil milhões de euros, possibilidade de conversão dos 900 milhões de euros que o Estado investiu quando da intervenção da troika (conhecidos como CoCos), e uma operação de venda de obrigações da própria CGD até ao limite de mil milhões de euros. Se esta última parcela se concretizar, a recapitalização do banco público subirá para 4,6 mil milhões de euros.
Ora, o “desvio” para a CGD de parte da verba destinada a reembolsar antecipadamente o empréstimo do FMI coloca mais distante a meta de 124,8% do PIB traçada pelo Governo para a dívida pública em 2016. Isso mesmo é admitido por Cristina Casalinho: O rácio da dívida “sobe em relação aos 124,8%, mas a nossa perspetiva é que continue a recuar. Recua menos”, diz. Na mesma entrevista, recorda que, com a subida recente dos juros portugueses no mercado, a poupança com os reembolsos antecipados já não é tão significativa como foi, por exemplo, no ano passado.
Mas há outros entendimentos. Políticos e economistas têm questionado a política dos “cofres cheios”, iniciada pelo anterior Governo e mantida pelo atual, que se traduz por uma “almofada financeira” estimada em 23 mil milhões de euros, com custos para o erário público, quando a fatura com encargos da dívida pública continua a ultrapassar os 8 mil milhões de euros por ano – tanto quanto o Estado gasta anualmente com o Serviço Nacional de Saúde. A utilização de parte desse dinheiro para acelerar os pagamentos da dívida permitiria reduzir não só a própria dívida como o peso dos juros na despesa pública, melhorando o défice orçamental. Mas o que Governo se prepara para fazer é, precisamente o contrário, diminuindo os pagamentos ao FMI para injetar esse dinheiro na CGD.
E o défice?
Sobre o défice orçamental, Casalinho afirma que “não há nenhum sinal de que os 2,5% — a meta que a Comissão Europeia definiu — não serão cumpridos”, mesmo com a injeção pública na CGD até ao final do ano. “No caso de haver algum deslize, não se afigura que seja surpreendente”, acrescentou, defendendo que “o IGCP está preparado para acomodar necessidades financeiras imprevistas.”
Já o economista Ricardo Cabral, em conversa com a VISÃO, considerou que a injeção de fundos públicos na CGD “só muito dificilmente” não terá impacto sobre o défice orçamental, apesar das tentativas para o evitar. “O Governo e a Comissão Europeia estarão a negociar um arranjinho para viabilizar a saída de Portugal do Procedimento dos Defices Excessivos, apesar do impacto que esta operação vai certamente ter no défice de 2016”, disse o economista, recordando no entanto que a decisão final, sobre o que vai entrar para o défice, em parte ou na totalidade, está “nas mãos do Eurostat.”
A não ser que o Estado consiga adiar a recapitalização da CGD para 2017, o que parece pouco provável, tanto o défice como a dívida parecem condenados a aumentar.