Mais 907 quilómetros de ferrovia, uma nova ligação Aveiro a Salamanca e Sines/Lisboa a Madrid. Mais portugueses com o ensino superior. Um ressuscitar do programa Novas Oportunidades. Menos dívidas nos hospitais. Pensões atualizadas. Tribunais mais céleres. Empresas capitalizadas e modernizadas. No fundo, um País mais moderno, mais alfabetizado e com melhores infraestruturas. Se os planos do Governo se cumprirem, em 2020 Portugal estará mais próximo dos países mais desenvolvidos da Europa. Mas, para isso, é preciso gastar 25 mil milhões de euros, sendo que 6,7 mil milhões terão de vir diretamente dos cofres do Estado (Orçamento do Estado). O Programa Nacional de Reformas quer mudar o País até 2020 e aproveitar, para isso, 18 mil milhões de euros dos apoios que a União Europeia tem para dar.
Este é o plano com que António Costa quer convencer Bruxelas de que está a reformar Portugal e que o dinheiro dos fundos comunitários que será investido servirá mesmo para alavancar a economia. É certo que para capitalizar as empresas são 3,4 mil milhões de euros. Mas olhando ao pormenor, as duas medidas mais caras têm pouco de reforma do País. Servem, sim, para corrigir erros do passado. Na prática: 1,3 mil milhões para pagar dívidas dos hospitais e dois mil milhões para atualizar as pensões que o resgate e a austeridade impostas pela crise congelaram e cortaram durante anos.
1 – Pagaremos menos pelos manuais escolares
Para avaliar a qualificação dos portugueses, o diagnóstico assenta em três evidências: 55% da população entre os 22 e os 64 anos não têm o ensino secundário, apenas 26% da população empregada tem um diploma do ensino superior e 34,5% dos jovens até aos 15 anos já chumbaram pelo menos uma vez.
Formação de adultos, generalização do ensino pré-escolar a partir dos três anos, programas de redução do insucesso escolar e do abandono precoce da escola, aumento da ação social escolar, contratação de mais doutorados e mais jovens para as universidades é a prescrição do Governo para resolver o assunto. Só nas quatro medidas principais para atingir estes objetivos, o Governo prevê que seja necessário gastar 4,6 mil milhões de euros, dos quais 2,8 mil milhões virão do Portugal 2020, ou seja, da Europa. O eixo “qualificações dos portugueses”, no qual se incluem estas medidas, é o que agrega mais recursos, estando projetada uma despesa total de 8466 milhões de euros.
Na área da Educação, o documento retoma ainda temas que já estavam presentes no programa eleitoral do PS, como a recusa da “dualização” precoce do sistema de ensino (estabelecendo que é no secundário que tal opção deve ser feita), a progressiva gratuidade dos manuais escolares e a limitação do número de alunos por turma.
2 – Recebemos mais apoio se inovarmos e exportarmos
O Programa Nacional de Reformas (PNR) prevê um investimento de €3,4 mil milhões para as pequenas e médias empresas – €700 milhões do Orçamento do Estado, €1,3 mil milhões do Portugal 2020 e €1,4 mil milhões do Plano Juncker. O Fundo Capitalizar terá €2 mil milhões para financiar empresas em fase de criação, crescimento, internacionalização ou em processos de reestruturação. A meta é ajudar mais de nove mil empresas.
Por outro lado, para promover a inovação empresarial, foi dada luz verde ao programa Indústria 4.0 para apoiar 9950 empresas através de fundos comunitários no valor de €414 milhões. A economia digital (comércio eletrónico ou marketing digital) das PME com 10 ou mais empregados irá ter um investimento comunitário de €207 milhões. As novas formas de negócio não poderiam ficar de fora. O programa Start-Up quer atrair start-ups estrangeiras e potenciar a internacionalização das nacionais. A previsão é apoiar mil empresas para um investimento de cerca de €340 milhões.
Há ainda uma outra medida que implica uma despesa avultada e tem como intuito reforçar o acesso às redes de fibra ótica e 4G. O Governo quer que cheguem a 100% do território, com mais 1100 freguesias a terem acesso ao 4G. Investimento: €600 milhões, provenientes do Plano Juncker.
Para aumentar o investimento empresarial estrangeiro, o plano de reformas inclui o apoio a 4426 projetos-âncora através de incentivos diretos às empresas e da melhoria das condições de contexto. Para isso, está prevista uma linha de financiamento de €331 milhões.
3 – Faremos mais negócios por ferrovia
Os transportes, ou melhor, a ferrovia, receberão a parte de leão dos fundos para esta área. António Costa pretende ligar Aveiro a Salamanca e Sines/Lisboa a Madrid. O regresso do TGV? Para já sabe-se que serão 907 quilómetros de via-férrea, que custará, estima o Governo, 1275 milhões de euros. Os investimentos no setor ferroviário incluirão também a adoção do sistema de gestão de tráfego europeu, a eletrificação de mais 400 quilómetros de linhas e a migração da bitola ibérica para a standard, usada no resto da Europa. Os metropolitanos de Lisboa e do Porto também beneficiarão do PNR. O Governo pretende construir mais nove quilómetros de linhas subterrâneas, tendo cativado uma verba de 275 milhões para o efeito. A renovação da frota de táxis (com a promoção do uso de viaturas elétricas) e de autocarros também é contemplada, custando 105 milhões de euros.
Com a fiscalidade verde, que Costa quer rever ainda no primeiro semestre de 2016 e integrar no Orçamento do Estado para 2017, o Governo pretende arrecadar 560 milhões de euros. A eficiência energética, as energias renováveis, os transportes e os resíduos são os alvos das novas medidas de fiscalidade.
4 – Teremos menos burocracia
António Costa quer criar um laboratório ou incubadora, tendo em vista a inovação no setor público, mobilizando o conhecimento e a criatividade dos centros de investigação, incubadoras, entidades privadas e serviços públicos. Estão destinados € 4,8 milhões
O Programa Simplex é outra das prioridades do Executivo para “desburocratizar” ao máximo a máquina do Estado, tais como procedimentos administrativos ou de atendimento ao público, como a criação do balcão para empreendedores, entre outras medidas. O investimento é de €500 milhões. Entretanto, foi já lançado o concurso start-up simplex para apoiar 30 projetos inovadores com seis milhões de euros. No que diz respeito à informática estão previstos quase €53 milhões para racionalizar e concentrar os sistemas dos ministérios.
O Governo quer, também, reduzir a legislação existente e, para isso, vai revogar mais atos legislativos do que aprovar. Até ao fim da legislatura pretende revogar 400 atos e, apenas, aprovar nova legislação uma vez por mês.
5 – Recebemos mais abono de família
O combate à pobreza é uma das bandeiras de Costa desde o tempo em que apenas era candidato a secretário-geral do PS. Era um dos eixos da tão aclamada Agenda para Década e inclui-se agora como um dos pilares do novo PNR. O Governo aposta na multiplicação de medidas de apoio social. São 424 milhões de euros para aumentar o abono de família, para aplicar uma majoração às famílias monoparentais ou para dar bonificações por deficiência. Se os objetivos do Governo forem cumpridos, no final do Programa terão sido abrangidas mais de 1,1 milhões de crianças e jovens.
E porque quando se fala de prestações sociais surje logo à cabeça o tão questionado Rendimento Social de Inserção, o PS volta a querer marcar a diferença para Passos Coelho. A ideia é abranger 240 mil pessoas ainda este ano e promover uma efetiva inclusão social dos beneficiários desta prestação. Para o conseguir, o PNR prevê um investimento de 641 milhões de euros. Neste combate, a única medida que contará com verbas do Portugal 2020 ou de outros fundos da União Europeia são os contratos locais de desenvolvimento social: 244 milhões de euros.
Por esclarecer está a forma como o Governo vai reforçar a aplicação da lei de condição de recursos que permite o acesso a estes apoios, algo determinante para, no fim, se perceber se a despesa aumenta ou diminui.
6 – Teremos emprego na construção civil
Reabilitar, reabilitar e reabilitar. Uma nova máxima que António Costa traz da Câmara de Lisboa diretamente para a condução do País. A reabilitação do parque habitacional português é um dos grandes eixos do PNR e aquele em que será possível incorporar fundos do Portugal 2020: 700 milhões.
No total, são perto de mil milhões de euros para reabilitar, fomentando a eficiência energética e sísmica de 1800 edificios até 2020; reabilitar 400 edificios degradados com mais de 30 anos e colocá-los em regime de renda condicionada e regenerar nas áreas degradadas 2057 edifícios, 2,9 milhões de m2 de espaços verdes e 197 mil m2 de edifícios públicos ou comerciais. E chegarão ainda 100 milhões para aplicar no chamado projeto “Casa Eficiente”, onde a meta do Executivo passa por melhorar a eficiência energética de 10 mil fogos até 2020.
7 – Teremos pensões atualizadas
A atualização das pensões até ao final da legislatura é a grande promessa do Executivo de António Costa na área da Segurança Social. São cerca de dois mil milhões de euros estimados em despesa para os próximos anos, o que contrapõe e muito com a poupança que era estimada de 600 milhões de euros por parte do Governo PSD-CDS. Este era, aliás, um dos grandes pontos de divergência entre as duas forças políticas logo na campanha eleitoral. É também a medida mais cara das 140 anunciadas pelo Executivo.
A convergência das pensões da Caixa Geral de Aposentações com as da Segurança Social volta a ser repetida neste pacote, seguindo em linha com o que estava anunciado no programa de Governo, bem como a redução para metade da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) e a sua extinção já em 2017.
Avaliar as alterações introduzidas no fator de sustentabilidade da Segurança Social e estudar a diversificação de fontes de financiamento são outros dos objetivos do Governo até 2020.
8 – Pagaremos menos de taxa moderadora
Garantir que cada português tem direito a um médico de família ou que as crónicas listas de espera são reduzidas a “zero” no caso de cirurgias que superam o “tempo máximo de resposta garantido”. Objetivos muito claros para o setor da Saúde, onde a grande medida em termos financeiros passa por pagar 1,3 mil milhões de euros das dívidas das EPE da Saúde. Para o especialista Pedro Pita Barros, com esta regularização de “situações passadas”, espera-se, no fundo, que “os novos orçamentos atribuídos aos hospitais permitam a sua gestão adequada, e que a contração de dívidas adicionais tenha uma atuação imediata para avaliar se é problema de gestão, de falta de orçamento ou outro motivo”, diz à VISÃO.
E num setor onde nos últimos anos têm sido conhecidas várias fraudes a envolver dinheiros públicos, o Governo quer poupar 219 milhões de euros aos cofres públicos com o combate a esta prática. Com compras centralizadas, desmaterialização das receitas médicas a 100% e prestar informação pública do desempenho do Serviço Nacional de Sáude espera-se atingir mais €729 milhões de poupança.
Reduzir o valor das taxas moderadoras ou alargar as isenções são outras das medidas na Saúde. “Não há aqui grandes novidades”, diz Pita Barros, lembrando que “são medidas que contribuem para um melhor funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, mas apenas por si não constituem uma reforma do SNS (ou de partes dele)”.
9 – O juiz decidirá mais depressa
À modernização tecnológica do sistema judicial, o mesmo é dizer o Citius, estão destinados €617 mil. Informaticamente falando, vai ser disponibilizado um site de consulta de processos e criado um leilão eletrónico para distribuição aleatória e equitativa aos agentes de execução. Com isto, espera-se que reduzir em 20% o número de pendências até 2020. Aposta-se no descongestionamento dos tribunais com um novo órgão de gestão de comarcas e reajustamentos no mapa judiciário. Investimento de €246 mil. E são destinados €14 milhões para iniciativas ligadas à agilização de processos e ao aumento da transparência estatística nas várias áreas (Cível, Laboral, Administrativa, Penal e Família e Menores)
O Governo afeta, também, €13 milhões para o combate à corrupção, apostando na redução do tempo de investigação ou no aumento da capacidade de reprimir o crime.
Durante este ano, vai ser alargada a rede de Julgados de Paz como forma de potenciar, em 7%, o número de processos resolvidos nos meios de resolução alternativa de litígios. Pretende-se aumentar a capacidade de reposta dos Tribunais Administrativos e Fiscais, reforçando os recursos humanos e melhorando a gestão dos processos.
10 – Pediremos contas às autarquias
O objetivo de descentralizar as decisões era das promessas eleitorais do PS. As Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) terão um papel essencial. Assim, será definido um novo modelo territorial, com nas regiões de intervenção das cinco CCDR, onde serão integrados alguns serviços do Estado. A eleição para os órgão das CCDR deverão acontecer em 2018, depois das eleições autárquicas. O Governo vai, também, transferir para as autarquias a gestão dos serviços de proximidade como a educação, a saúde, a ação social, dos transportes, cultura, a proteção civil e as infraestruturas portuárias da náutica de recreio e portos de pesca.
