A FIL faz-se de muitos encontros portugueses e mexicanos. As sessões do programa literário do Pavilhão de Portugal promovem vários encontros entre autores dos dois países, opondo e complementando visões distintas. Mas o momento mais especial destes olhares cruzados é sem dúvida a exposição Lo que cuentam las paredes: Almada Negreiros y la pintura mural, patente no Instituto Cultural Cabañas até 13 de Fevereiro de 2019.
O que há de especial nesta mostra? A possibilidade de confrontar a pintura mural de Almada Negreiros, possivelmente um dos aspetos menos estudados da sua obra, e os grandes frescos de José Clemente Orozco, um dos grandes nomes do muralismo mexicano, que tanta influência teve na arte portuguesa dos anos 40 do século XX, nomeadamente no campo neorrealista.
A curadora da exposição, Mariana Pinto dos Santos, não define influências diretas, até porque não há investigação que o comprove, mas identifica paralelismos “muito interessantes”, sobretudo ao nível da escala (ambos eram admiradores da pintura mural do Renascimento) e do humor (ambos sobrepunham camadas de significado nas suas obras, não esquecendo a ironia).
“Apresentar a obra de Almada Negreiros neste espaço tem uma importância enorme”, adianta à Visão Mariana Pinto dos Santos. “Não só para dar a conhecer a obra de um artista português fora do contexto português, mas também porque me parece necessário rever o que foi e o que significa o seu legado. Nem sempre a leitura da sua obra é feita com a profundidade necessária.”
O que se propõe agora é uma revalorização das pinturas murais feitas para as gares marítimas de Lisboa, muito mal recebidas pelo Estado Novo. “Quando Almada faz estes trabalhos é precisamente no momento em os muralistas mexicanos estão a ser divulgados e defendidos em Portugal pelos neorrealistas”, adianta a comissária. Estaremos perante uma reação imediata?, questionamos. “Almada era muito omnívoro, tinha uma atenção enorme ao que os artistas mais novos estavam a fazer, muito mais do que aos da sua geração.”
Lo que cuentam las paredes: Almada Negreiros y la pintura mural é, assim, o retrato de um artista que percebe o que está a acontecer no mundo artístico. E que reage à sua maneira. “Apesar de defenderem a pintura mural ao estilo mexicano, os neorrealistas não a podiam praticar, pois não tinham acesso às encomendas do Estado Novo. Almada sim, sobretudo por via do arquitecto Pardal Monteiro. Isso faz com que seja ele, dentro da lógica do regime mas com enorme independência, a pôr em prática os fundamentos de uma arte de grande escala e de forte reivindicação social e política. É essa leitura que aqui se propõe”, sintetiza Mariana Pinto dos Santos.
Integrada na programação da presença portuguesa de Portugal como Convidado de Honra da FIL, Lo que cuentam las paredes: Almada Negreiros y la pintura mural é uma das três exposições em espaços culturais de Guadalajara. No Museo de las Artes Universidad de Guadalajara pode ver-se Ana Hatherly y el Barroco: en un jardín hecho de tinta, com curadoria de Paulo Pires do Vale. E no Museo Regional de Guadalajara, com comissariado de António Ponte, expõe-se Variaciones sobre una tradición: de los pañuelos de amor a los bordados com poesía.