Chama-se Tonia Sina e, depois de vários cursos dedicados à formação de atores naquilo a que designa por intimidade para o palco, foi contratada para dar o seu contributo na peça de teatro Bakkhai, uma versão da poetiza canadiana Anne Carson da tragédia grega As Bacantes, do dramaturgo Eurípides. A peça, que integra o festival de teatro de Stratford, no Canadá, tem forte cariz erótico e sexual. Numa das cenas, o rei Penteu transforma-se em mulher e tem um orgasmo… feminino. Tonia ensinou o ator Gordon S. Miller a desempenhar o papel, além de coreografar várias outras cenas íntimas, muitas vezes deixadas ao improviso dos atores.
“Ninguém tem de trazer a sua experiência pessoal para o palco”, afirmou ao New York Times a coreógrafa da peça, Jillian Keiley, ao justificar a necessidade que sentiu de procurar ajuda neste campo, para trabalhar os atores. “Ninguém tem de mostrar: ‘Bom, é assim que eu faço’. Isso expõe demasiado as pessoas, pedir-lhes para improvisar. É algo privado.”
Com Tonia Sina, nenhum movimento ou toque é improvisado em palco. “Não há surpresas. Não há ‘onde é que ele está a ir com a mão? Será que foi de propósito? É ele ou a personagem? Será que me sinto atraída por ele? Será que ele gosta de mim?'”, exemplifica a americana, também ela atriz. Todas as coreografias íntimas são previamente debatidas e combinadas, para não existir desconforto ou insegurança na hora do espetáculo – já para não falar em situações que derivam para assédio sexual ou romance passageiro, como aconteceu com ela própria, na juventude, quando estava noiva.
Uma das regras que impõe nos ensaios é estar sempre presente alguém que saiba exatamente o que os atores devem fazer, para não haver desvios. Outra é criar uma relação de confiança entre eles antes de subirem ao palco. “Algumas pessoas dizem que é só representação, mas ajuda os atores a estabelecer mais depressa uma intimidade mais segura se utilizarem técnicas para encontrarem a química durante os ensaios”, explicou à revista canadiana Now, no ano passado, num artigo que levou agora Jillian Keiley a procurá-la.
Keiley também estava apreensiva com a forma de comunicar com os seus atores sobre um tema que considera delicado, mas Tonia Sina revelou-se a aposta certa para ultrapassar o problema. “Há uma linguagem à volta da intimidade que deixa um ator vulnerável e há outra que o faz sentir que é só trabalho”, elogiou.
O “protocolo do beijo”, que Tonia publicou em 2014 num artigo a que deu o título de “Sexo seguro: um olher sobre a coreografia íntima”, é um exemplo das técnicas de preparação que preconiza. Os oito passos definidos dão a ideia de que tudo é pensado e acordado ao pormenor: desde quem inicia e interrompe o gesto ou qual a intensidade, duração e tipo (“sexual, romântico, zangado, desesperado, forçado, etc.”), à proximidade da audiência (“se está perto, é preciso língua? Se está longe, a coreografia tem de ser maior?”) ou posição das mãos. Também é ponto de honra os atores “não se esconderem num canto” durante os ensaios. Porque “é da natureza humana querer ser amado” e Tonia não quer que o teatro se confunda com a vida “lá fora”.