Já não são apenas milhões de pessoas a jogar online. São milhões a jogar online e outros milhões a ver. A indústria dos videojogos de competição, os chamados eSports, está a rivalizar cada vez mais com a do desporto real. E a copiar-lhe a forma de se organizar e gerar receitas. Há treinadores, agentes e patrocinadores envolvidos, e aos jogadores atribuem-lhes agora a designação de… atletas. Sim, são atletas aqueles que comandam os movimentos que aparecem nos ecrãs, como qualquer um de nós ou os nossos filhos, sentados no sofá (só que nós não somos atletas). Os melhores são bem pagos, tornaram-se profissionais. E atraem audiências e publicidade. No ano passado, a final mundial do jogo League of Legends foi seguida em direto por 43 milhões de pessoas, cerca do dobro das que viram as finais da NBA, a popular liga profissional norte-americana de basquetebol.
É tal a dimensão da comunidade que dá força a este fenómeno que uma das conferências da Web Summit desta quarta-feira se intitulou “eSports vão ser maiores do que o desporto real em cinco anos”. Uma afirmação, portanto, sem direito a ponto de interrogação, ainda que os convidados tenham atirado as certezas – porque não têm dúvidas de que vai acontecer – para um futuro um pouco mais longínquo, entre 10 a 20 anos.
“Tenho 54 anos e, no caso dos meus filhos, todos abaixo dos 25, é garantido que os eSports já rebentaram com os desportos tradicionais”, comentou Bracken Darrell, CEO da Logitech, que produz periférios para os videojogos, como auscultadores, teclados ou ratos. “Não vai ser da noite para o dia, mas vai acontecer quando os filhos desta primeira geração começarem a jogar, e depois os filhos desses filhos”, acrescentou Andy Dinh, que aos 25 anos é dono de uma equipa no League of Legends e a quem a revista Forbes comparou a… Michael Jordan, lenda do basquetebol que se tornou patrão de uma equipa da NBA.
“Em breve vamos ter treinadores a tempo inteiro, psicólogos e chefs a cozinharem só para nós”, antecipou Andy, que quer construir uma sede para a sua Team SoloMid. “Vai haver equipas associadas a cidades, como no futebol americano e no basquetebol. Há cada vez mais pais a levarem os filhos a ver eSports”, afirmou. O mítico Maddison Square Garden, em Nova Iorque, já foi palco deste género de eventos e a final mundial de 2017 do League of Legends realizou-se, na semana passada, no Estádio Olímpico de Pequim, o mesmo onde Nelson Évora deu o ouro a Portugal no triplo salto. “Estamos no início e os números já são muito grandes. Há um potencial enorme que está a atrair as grandes empresas porque há cada vez mais gente a ver eSports e não apenas a jogar”, salientou Bracken Darrell.
Red Bull e Gillette são exemplos de marcas que já estão em campo neste novo mundo dos jogos eletrónicos de competição e, segundo Andy Dinh, o dinheiro investido sai do orçamento que as empresas destinam a campanhas publicitárias no desporto real. O bolo é o mesmo, as fatias é que podem ser repartidas de forma diferente. “Somos cada vez menos vistos como os nerds que se enfiam numa cave para jogar online. E daqui para a frente, com as novas gerações, a atividade será socialmente mais aceite e vista como uma oportunidade para se passar um bom tempo em família”, confia este americano, apoiado num argumento de peso: “Hoje temos crianças que aos 3 anos já jogam nos tablets e aos 12 ou 13 já são muito competitivas nos eSports. E uma das coisas mais interessantes é que podem estar a jogar contra pessoas com mais de 30 anos.”
Há outra vantagem, na opinião de Bracken Darrell: um calo aqui e uma tendinite acolá parecem ser as piores lesões capazes de afetar a aptidão destes novos atletas para a competição. Nada de cabeças partidas, joelhos maltratados ou braços ao peito. Por que não damos todos uma corridinha enquanto pensamos no assunto?