A marca sueca foi das primeiras a fazer um género de ‘mea culpa’ relativamente à contribuição para a mudança climática. Na verdade, nenhum outro fabricante tradicional tem assumido de forma tão evidente os efeitos nocivos naturalmente associados à produção dos automóveis e respetiva utilização. “Fazemos parte do problema, vamos fazer parte da solução” passou a ser o mote da marca, que tem anunciado objetivos concretos para atingir a aspirada neutralidade carbónica em 2030. Mas não só. A marca tem por objetivo reduzir ou mesmo eliminar outros tipos de pegada ambiental. O mais recente anúncio foi o fim de utilização de pele animal na produção dos veículos da marca. Regra que começa no Volvo C40, que também é o primeiro Volvo exclusivamente elétrico. A marca já tinha o XC40 100% elétrico, mas este SUV está disponível também em versões híbridas plug-in ou com motor a gasolina. O que não acontece no C40: o mais recente Volvo, que fomos conhecer à Bélgica, só está disponível em arquitetura BEV (Battery Electric Vehicle).
A procura pela redução da pegada ambiental é evidente na fábrica do C40, que também produz o XC40 e a carrinha V60. Em 2008 a fábrica de Gent passou a usar energia gerada por centrais hidroelétricas, em 2010 foram instaladas três turbinas eólicas, capazes de gerar 50% da energia consumida pela fábrica, e em 2019 foram instalados quase 9000 painéis solares. Nesta fábrica até se usa vapor de água gerado em excesso por uma fábrica de papel vizinha para produzir energia elétrica.
Vídeo em direto com o primeiro contacto com o Volvo C40 Recharge
Muito do XC40
Conduzimos o C40 cerca de 200 km entre Bruxelas e Gent, onde o carro começou a ser fabricado – também visitámos a fábrica, mas já lá vamos. As semelhanças com o XC40, com o qual partilha boa parte das peças, são evidentes. Na versão Twin, a única disponível inicialmente, temos a mesma motorização e bateria que já conhecíamos do XC40 com dois motores. Ou seja, uma potência total superior a 400 cavalos e um binário ‘esmagador’ que nos fazem sentir o estômago quando aceleramos. A bateria com mais de 70 kWh de capacidade útil garante uma autonomia que pode ultrapassar os 400 km. No entanto, é mais realista contar com um valor inferior, mais próximo dos 350 km. Isto porque, como acontece no XC40, o consumo pareceu-nos elevado. Após os 200 km de ensaio, feitos em zonas e velocidades que até podemos considerar favoráveis para o consumo, acabámos com média de cerca de 19 kW/100 km. Não se pode considerar que seja um valor elevado para um crossover de tração integral e mais de 400 cavalos, mas fica acima de concorrentes que temos testado, como o VW ID.4, o Tesla Model Y ou o Mercedes EQA. Felizmente, a velocidade de carregamento pode ser elevada já que a potência máxima suportada é de 150 kW. Na prática, num carregador ultrarrápido, uns 30 minutos bastam para recuperar uns 250 km de autonomia. Mas, também neste aspeto, não se pode dizer que o C40 leve a melhor sobre os referidos concorrentes, até porque o consumo representa uma velocidade de carregamento menor se fizemos a análise em termos de quilómetros carregados por hora.
Como o C40 é um pouco mais baixo que o XC40 e tem um perfil mais próximo de um coupé, é de esperar um consumo um pouco mais baixo, mas nada que se tenha notado de modo evidente. O mesmo se pode dizer do comportamento: o C40 tem um centro de gravidade um pouco mais baixo, o que deverá resultar em melhor comportamento em curva. Mas, uma vez mais, pareceu-nos muito similar. O que é bom, considerando que ficámos muito bem impressionados com o XC40, um dos elétricos mais giros de conduzir para quem gosta de sensações fortes. Apesar de estes dois carros até convidarem a uma condução mais comedida. Isto porque o C40, como o XC40, é muito confortável, silencioso – até a climatização é pouco ruidosa – e tem uma posição de condução elevada. Ou seja, são carros que convidam mais a rolar, mas que, se necessário, também são capazes de fazer disparar a adrenalina.
Design diferenciador
O C40 até pode ser o primeiro Volvo exclusivamente elétrico, mas nota-se que usa uma plataforma criada para albergar outras soluções. Por exemplo, apesar de a bateria estar posicionada entre os eixos, a arquitetura não é puramente ‘skate’. O que tivemos oportunidade de verificar na fábrica onde o carro é produzido. E que se pode ver também no carro: por exemplo, no volumoso e desnecessário (para um elétrico) ‘túnel de transmissão’ que afeta o conforto de quem vai no meio no banco de trás. Se o espaço for uma prioridade, o C40 não é a melhor escolha.
Por outro lado, o perfil coupé aplicado a um crossover resulta num formato claramente diferenciador. A originalidade é, sobretudo, mais evidente na traseira, onde até as luzes se ligam de modo dinâmico. À frente, também se vê o que se pode considerar um género de piscar de olhos quando se liga o C40.
No interior, não se sente nada a falta de couro. Pelo contrário, gostámos das texturas geradas pelos materiais reciclados, que estão aplicadas na parte inferior das portas e dos espaços abaixo da ‘linha de cintura’. Há, como é habitual na Volvo, algumas soluções práticas, como espaços de arrumação amplos e até um pequeno caixote de lixo amovível. Naturalmente, há espaço para carregamento wireless do smartphone e um suporte para quem prefere ter o telemóvel na vertical para melhor ver o ecrã. O que não é necessário porque o C40 é ‘powered by Google’.
A solução mais simples é, muitas vezes, a melhor
Enquanto outros fabricantes continuam a investir centenas de milhões de euros no desenvolvimento de sistemas de infoentretenimento proprietários, a Volvo fez algo que nos parece mais lógico: colaborou com a Google e implementou o que é, na prática, o Android para os automóveis. O que significa que podemos usar muitas das apps que estamos habituados a usar no smartphone diretamente no carro. Isto sem qualquer apoio do smartphone. A navegação é feita via Google Maps, podemos usar o Spotify, descarregar apps a partir do Google Play ou falar com o Assistente Google. E a verdade que muitas marcas não gostam de ouvir é: a Google sabe fazer muito melhor estas aplicações. E tudo pronto a utilizar desde que entramos no carro já que a conectividade (ligação às redes móveis) está integrada. Não é necessário emparelhar smartphones ou adicionar cartões SIM. É só usar. Uma experiência semelhante à que estamos habituados nos Tesla.
E como se trata de um sistema Google, até podemos, embora não seja obrigatório, introduzir os dados de utilizador da Google para, automaticamente, passarmos a ter, por exemplo, os nossos favoritos no Maps. Na prática, isto significa que basta pedirmos ao assistente, em viva voz, para iniciarmos a gravação para o nosso restaurante preferido ou para reproduzir a nossa playlist no Spotify. Nenhum outro carro oferece este nível de integração com o mundo Google.
Integração que também já pode ser aplicada a personalizações do automóvel propriamente dito. Quando se muda o perfil do condutor – basta um swipe da parte superior para o centro do ecrã para acedermos ao menu da escolha dos perfis – não é só o sistema de infoentretimento que se adapta ao condutor escolhido (favoritos, playlists, pontos no mapa…). As posições do banco do condutor e dos espelhos retrovisores exteriores também se adaptam a esta escolha. Isto significa que um carro usado por dois ou mais membros de uma família fica personalizado com apenas um movimento seguido de um toque no ecrã. E a Volvo não quer ficar por aqui, como nos explicou Xiping Huang, responsável pela experiência conectada da marca sueca: “estamos a trabalhar para que os condutores possam aplicar automaticamente perfis entre diferentes carros, incluindo até a posição dos bancos”, adicionando “para fazê-lo estamos a trabalhar numa nova forma controlar os motores que acertam os bancos para que se possa ler e aplicar medições precisas dos acertos”.
Huang explicou-nos ainda que as atualizações remotas “over the air” não vão estar limitadas apenas à componente de infoentretimento: “no C40 também podemos atualizar remotamente o firmware do carro”, o que pode ser utilizado para, por exemplo, melhorar a eficiência energética ou o sistema de climatização. Quanto aos possíveis riscos de ciberataques que podem advir desta funcionalidade, a engenheira garante que a Volvo implementa uma arquitetura que garante segurança de base: “há diferentes níveis de acesso para atualizar as apps, o infoentretimento ou o firmware e há tranccas que impedem a comunicação direta entre estes níveis do software”. Enquanto as apps pode ser atualizadas diretamente via Google Play, como acontece no nosso smartphone, o firmware só pode ser atualizado pela Volvo usando criptografia e canais seguros.
Uma das novidades no software do C40 é o sistema de previsão de autonomia, que em vez de indicar um único valor em quilómetros, indica, também, o valor mínimo e máximo previstos. Autonomias calculadas que vão variando de acordo com a condução. Esta app também apresenta gráficos de consumo dos vários sistemas e tem um botão para ativar diretamente um modo de poupança de energia. Esta app vai chegar ao Volvo XC40 Recharge através de atualição remota.
Apontar para cima
A Volvo vai iniciar a comercialização do C40 ainda este ano com uma versão especial tipo first edition que, segundo a marca, vai incluir um nível de equipamento elevado. O preço base será um pouco superior a 58 mil euros, um valor elevado, mas que se justifica pelo desempenho do carro. Mas, como referimos para o XC40, parece-nos que o C40 vai fazer bem mais sentido quando surgir na versão com apenas um motor (ainda assim, com mais de 200 cavalos) e uma bateria um pouco mais pequena.