Artigo originalmente publicado na Exame Informática 298 (abril 2020)
Apesar de a diferença média entre os preços dos veículos com motores de combustão e os preços dos veículos elétricos equivalentes ter vindo a baixar, a opção elétrica ainda representa um investimento extra. Já existem várias exceções a esta regra como temos demonstrado nos testes a veículos elétricos e a análise do custo total de propriedade acaba, muitas vezes, por compensar o acréscimo de preço inicial – tema que vamos dissecar na próxima edição. Mas, em geral, os VE têm um preço de aquisição mais elevado. O que se deve à bateria, o componente mais caro de um VE. Há variações de modelo para modelo e de marca para marca, mas os especialistas indicam que, em média, a bateria representa 30% do custo de um carro elétrico.
O que importa saber
A bateria de um VE não é uma peça, mas sim um sistema. Que pode ser muito complexo. Relativamente à componente de armazenamento de energia, uma bateria normalmente é dividida em módulos e cada módulo é constituído por várias células. Há, ainda, que considerar outros componentes muito importantes, como a eletrónica que controla os diferentes módulos e células e o sistema de gestão térmica (com ou sem refrigeração ativa).
Muitas vezes se menciona a ‘química das baterias’, uma das características mais importantes porque influencia aspetos como a potência máxima de carregamento/descarregamento, longevidade (número de ciclos até a degradação tornar-se notória) e temperaturas de funcionamento. A química, no fundo, representa a ‘receita’ usada para criar as células, ou seja, os elementos químicos usados e quais as quantidades relativas de cada um.
Mas, como referido, há muitos outros componentes que influenciam muito na qualidade global da bateria. Com destaque para os sistemas de gestão. Por exemplo, um sistema que consiga que as diferentes células carreguem e descarreguem de forma uniforme e que garanta que funcionem continuamente à temperatura mais indicada será, potencialmente, capaz de garantir uma grande longevidade da bateria.
Como é habitual no desenvolvimento de produtos, há diferentes opções que podem ser tomadas pelos engenheiros, que criam as baterias em função de variáveis como tipo de utilização – por exemplo, um carro mais potente tem exigências diferentes de um menos potente –, preço e capacidade. Uma marca pode optar por usar células com capacidade para lidar com maiores intervalos de temperatura e poupar custos no sistema de refrigeração. Ou usar baterias menos sofisticadas e, para evitar a degradação, limitar a potência de carregamento e a potência do motor do VE.
Tudo isto deve ser ponderado quando vai escolher um VE e respetiva bateria. Se procura um carro para utilização intensiva – um táxi, por exemplo – então será importante garantir que tem um bom sistema de gestão térmica (refrigeração líquida) para maior longevidade e maior capacidade de suportar vários carregamentos rápidos por dia. Por outro lado, se está a pensar comprar um carro para uma utilização familiar mais comum, em que só vai usar carregamentos rápidos ocasionais (em viagens longas) e com uma média diária de poucos quilómetros, então não precisará de se preocupar muito com estas características e optar por uma modelo mais económico.
Domine a linguagem
Ciclos – Número de cargas/descargas completas. É importante salientar o “completas”. Ou seja, o carregamento de uma bateria de 50 a 100% só conta como meio ciclo.
Degradação – Perda da capacidade da bateria.
SOC, State Of Charge – Estado de carga da bateria, normalmente expresso em percentagem.
SOH, State Of Health – Capacidade energética da bateria relativamente ao estado nominal original. Utiliza-se para medir a degradação. Por exemplo, uma bateria com 30 kWh de capacidade original e 10% de degradação terá um SOH de 90% que se traduzirá numa capacidade real de 27 kWh.
BMS, Battery management System – Sistema eletrónico que gere a bateria e que tem por objetivo manter a bateria dentro dos parâmetros apropriados de utilização. É, por exemplo, o BMS que altera a potência de carregamento em função de diversos parâmetros; mede comunica o estado de carga e de saúde da bateria; controla, se existir, o sistema de refrigeração; e balanceia as células (garante que a energia é distribuída por todas células de modo equilibrado para evitar avarias ou degradação acelerada de algumas células).
TMS, Thermal Management System – Sistema que gere a temperatura da bateria. Muitas vezes é visto como um subsistema do BMS. Um TMS será tanto melhor quando melhor for a sua capacidade de manter todas as células da bateria a funcionar à temperatura considerada ótima. É por isto que os melhores TMS incluem refrigeração com recurso um circuito de líquido, que é mais eficiente do que o ar para remover ou adicionar calor às células. Sobretudo em condições mais extremas: carregamentos rápidos e viagens longas a alta velocidade em dias de muito calor, por exemplo.
Mitos: não acredite em tudo o que ouve
Há uma série de informações erradas sobre baterias muitas vezes partilhada em redes sociais e até publicadas por meios menos conhecedores do tema. Um dos mais repetidos é que as baterias de iões de lítio viciam, o que é falso. Esta ideia errada nasceu com base numa ideia verdadeira: as antigas baterias de níquel sofriam, de facto, do efeito de memória. Qualquer utilizador pode verificar que atualmente isto já não acontece. Se, por exemplo, o seu carro elétrico tem uma autonomia total de 250 km, não é por carregá-lo quando a bateria está com 50% de carga (125 km) que vai passar a ter, no próximo carregamento, 125 km de capacidade total perdendo metade da capacidade. Continuará com os mesmos 250 km habituais. Muitas vezes utiliza-se a expressão “viciar” como sinónimo de “degradar”, o que é errado.
A velocidade de degradação da capacidade de carga depende de vários fatores, com destaque para o número de ciclos de carga/descarga, idade da bateria, química das células (há variações importantes na ‘receita’ usada), potências de carregamento/descarregamento, temperatura de funcionamento e excesso de descargas completas. Em regra, nos VE a capacidade da bateria mantém-se próxima da original durante vários anos e é raro ser necessário substituir a bateria durante o período de vida do veículo. Aliás, alguns estudos demonstram que a probabilidade de trocar um motor de um carro a combustão é maior que a probabilidade de trocar a bateria de um carro elétrico, sendo que os custos são da mesma ordem de grandeza.
Outro mito é que a bateria deve ser descarregada completamente antes de voltar a ser carregada. Este mito tem a mesma origem do mito relacionado com a viciação. Com as baterias de iões de lítio, não só esta regra é falsa como é contraproducente.
Células das baterias
As células são as pilhas (unidades eletroquímicas) que armazenam a energia dentro das baterias. As marcas usam diferentes tipos de células, tanto em termos de constituição (a ‘química’), como em termos de formato (cilíndricas, prismáticas, em bolsa…). A maioria das marcas de veículos elétricos recorre a fornecedores externos para obter as células. Entre os principais fabricantes de células estão marcas como a LG Chem, Samsung SDI, CATL e Panasonic/Tesla. A qualidade das células influi muito na qualidade global das baterias usadas nos VE.
Como prolongar a vida da bateria
Há algumas técnicas simples que permitem manter a ‘saúde’ da bateria durante muito tempo, de modo a garantir que a capacidade útil se mantenha satisfatória para toda a vida do VE.
Evite cargas e descargas completas
Considerando que as baterias perdem longevidade quando chegam a níveis baixos de carga, o melhor é evitá-lo. Ou seja, sempre que possível recarregue a bateria quando a percentagem de carga atinge um nível baixo. Alguns especialistas usam 10% ou 20% como referência, mas a verdade é que não há um número mágico. Simplesmente evite que a percentagem de carga se aproxime de 0%. Já agora, embora não seja tão grave, o melhor é evitar cargas completas constantes e, sobretudo, manter a bateria a 100% durante muito tempo (veículo parado com a bateria totalmente carregada). Se possível – alguns VE têm esta opção – programe o carregamento para não ultrapassar os 80% ou 90%, a não ser quando precisa da autonomia extra para viagens mais longas.
Descarregue lentamente
Como o número de ciclos de carga/descarga é um dos fatores mais importantes na degradação, é natural que quanto menos for necessário carregar, melhor. Deve optar por uma condução económica: mais suave, sem acelerações e travagens fortes. A regra é quanto menos usar os pedais, mais eficiente será a sua condução. Opte pelo modo Eco, quando disponível e escolha, se possível, um nível de regeneração mais forte nas descidas e em condução urbana e menos forte em vias em ‘estrada aberta’, como vias rápidas e autoestradas (nestas é melhor deixar deslizar). Regra geral, é preferível usar velocidades mais elevadas nas descidas que são seguidas por subidas em vez de usar a regeneração. E, claro, se for possível reduzir a intensidade ou mesmo desligar o ar condicionado, tanto melhor.
Carregue lentamente
Os carregamentos com maior potência aumentam a temperatura e, por isso mesmo, podem ser negativos para a longevidade das células. Como tal, recomendamos que restrinja os carregamentos de maior potência tanto em número como em tempo. Prefira fazer carregamentos de baixa potência (durante a noite, por exemplo) e deixe os carregamentos em Postos de Carregamento Rápido (PCR) apenas para quando é mesmo necessário (viagens longas).
Cuidado
com a temperatura
Evite carregar o VE
sob o sol intenso naqueles dias de verão especialmente quentes, sobretudo em
veículos sem sistema de refrigeração das baterias, ou após viagens longas a
alta velocidade. Idealmente, o veículo elétrico deve ser guardado em zonas
frescas, embora os possíveis ganhos com esta técnica sejam muito residuais.
Bateria: maior é melhor
Uma bateria com mais capacidade garante, naturalmente, maior autonomia. Mas há, também, uma outra razão importante para se escolher uma bateria ‘crescida’: consegue, à partida, atingir uma maior longevidade. O que acontece por várias razões:
– Permite evitar a utilização com níveis de carga muito baixos ou muito altos. Esta é uma das causas para a degradação das baterias de iões de lítio, que ‘não gostam’ de trabalhar muito próximo dos extremos. Ora, num VE com maior autonomia é mais fácil evitar usar a bateria próximo do 0% ou de 100% de carga.
– Menos necessidade de carregamento. Um dos fatores que mais contribui para a degradação é o número de ciclos de carga/descarga completas. Aliás, é normal que os fabricantes de células indiquem, como referência, o número de ciclos até as células perderem uma parte importante da capacidade de reter energia. É mais fácil perceber com um exemplo: imaginemos dois carros com baterias tecnologicamente idênticas, mas capacidades diferentes, uma que permita 300 km de autonomia e outra que permita apenas 150 km. Para chegar a 300 mil km, o primeiro VE apenas precisará de usar 1000 ciclos de carga/descarga, enquanto o segundo precisará do dobro (2000 ciclos).
– Menos ‘Cs’ de carga e descarga. Este é um fator tecnologicamente um pouco mais complexo. Os ‘Cs’ referem-se à taxa em que a célula é carregada ou descarregada relativamente à sua capacidade nominal (para descarga é habitual usar-se a letra E em vez do C). Quando estas taxas são muito elevadas, a degradação pode ser mais acelerada. O que acontece quando se aplica muito potência à bateria durante carregamentos rápidos ou se retira muita potência em acelerações muito fortes. Em baterias de maior capacidade, esta potência de carga e descarga pode ser distribuída por mais células, que, deste modo, são sujeitas a taxas de carga e descargas menores.