Durante três anos, não chove em Roma. Este é o ponto de partida para o último trabalho do realizador Paolo Virzì, um verosímil e descomplexado filme-catástrofe, que passou pelo Festival de Veneza e pela Festa do Cinema Italiano.
Outrora, a ficção científica era feita de naves espaciais, viagens pelo universo, tecnologia de ponta ou extraordinários avanços na Ciência, que desafiavam a mortalidade. O futuro era um sítio onde queríamos estar. Hoje, os filmes de ficção científica rendem-se a uma ideia de apocalipse, de final do nosso mundo, de como o Homem conseguiu mandar o seu paraíso pelos ares.
O que assusta na obra de Paolo Virzì é a sensação de proximidade. Este não é um fim do mundo longínquo, é algo que está prestes a acontecer: todos conhecemos o risco, ninguém parece disposto a agir. O filme, apesar do humor e da aparente leveza, tem inerente esse sinal de alerta.
O realizador italiano construiu um multiplot, com histórias cruzadas, que dão uma visão global do pulsar da vida, numa cidade em que a água vale mais do que o petróleo, e onde deflagram doenças tropicais, que entopem as enfermarias (o que até nos soa familiar depois do trauma da Covid-19).
Virzì não constrói este fim do mundo ao estilo cáustico de M. Night Shyamalan. O seu retrato é menos histérico e revela algum sentido de humor no tom caricatural, que ele concede a algumas personagens. Nisso, aproxima-se mais, nas virtudes e nos defeitos, de Não Olhem para Cima, o grande sucesso de Adam McKay, na Netflix, em que o apocalipse ambiental era substituído por um meteorito. O filme deve também a Paul Thomas Anderson (Magnólia) e, sobretudo, a Robert Altman (Short Cuts), pela estrutura fragmentada e pela capacidade de retrato coletivo.
Existe aqui um substrato sociopolítico, metáfora para o mundo contemporâneo: os ricos mantêm as suas piscinas de águas termais, enquanto os pobres fazem fila para a ração de água diária. Uma história que se repete: é o fim do mundo… mas apenas para alguns.
Seca > De Paolo Virzì, com Monica Bellucci, Clara Pandolfi, Silvio Orlando > 97 min
