Nos anos 80, sob o pretexto de libertar o país da ameaça comunista, o ditador Efraín Ríos Montt promoveu crimes horrendos contra os índios maias, incluindo a violação e o assassínio massivo de mulheres e crianças. O general foi deposto e tornou-se o primeiro ditador latino-americano a ser formalmente acusado de genocídio.
Em A Chorona, Jayro Bustamante, o mais conceituado realizador guatemalteco da atualidade, resgata este trauma nacional para o seu filme, de forma particularmente inspirada e reparadora. Sabemos nós que o verdadeiro ditador foi justamente acusado por instâncias legais. Mas Bustamante alcança mais do que isso, numa espécie de justiça poética à moda de Tarantino (Sacanas sem Lei, Django Libertado, Era uma Vez em Hollywood) servindo-se da mitologia maia.
O filme é, na sua essência, um thriller psicológico, piscando o olho ao cinema de género – não é por acaso que passou pelo MotelX. Inteligentemente, o realizador coloca o ângulo do lado do ditador e da sua família. O tribunal constitucional declara nulo o julgamento que o acusou de genocídio e Ríos fecha-se no seu palácio, rodeado de seguranças, com a multidão lá fora, dias a fio, a reclamar justiça, a pedir a sua cabeça.
Mais do que olhar o ditador, o filme observa aquelas que o rodeiam: a mulher, que começa por defender o indefensável; a filha médica, que questiona e não esconde o rancor pelo pai; a neta ainda criança, com mais perguntas do que respostas; e as duas empregadas indígenas, vítimas e cúmplices. A habilidade de Bustamante é criar uma vingança pujante através da tomada de consciência. A feitiçaria maia não é de ação direta, obriga antes os protagonistas a um estado empático, vestindo a pele das vítimas, apercebendo-se aquelas mulheres da aterrorizante dimensão do genocídio e da culpa do general.
Tudo isto, além de estar engajado na própria História da Guatemala, permite ao realizador a exploração dos limites do cinema de género, com uma linguagem próxima do terror, que não perde um sentido atuante e até realista. Um filme em que os índios se sentem vingados.
Genocídio: Na Guatemala, houve mais de 200 mil mortos e 45 mil desaparecidos, ao longo do conflito que durou 36 anos.
A Chorona > De Jayro Bustamante, com María Mercedes Coroy, Sabrina de La Hoz > 97 min