A mais recente exposição de Nuno Ramos é marcada por uma ironia quase cómica. A primeira vez que tal acontece, assegura o artista de São Paulo, que decidiu questionar-se sobre a ideia de inauguração.
“Ainda há algo para inaugurar? Que estranhos rituais são estes, que terminam sempre por cobrir de palavras um objeto, tentando fixar seu significado?”, questiona, deambulando pensativo entre duas obras cobertas por panos brancos, na sala principal da Galeria Francisco Fino, onde Opening se estreou este mês.
Passados poucos minutos, um dos panos irá levantar-se, depois outro, enfim um terceiro, desencadeando mecanismos de pesos que, pressionando uma série de molas, farão soltar um chorrilho de palavras que cobrirá os objetos deixados à vista. E o que elegeu o artista, “na cacofonia da vida”, para isolar e inaugurar com pompa e circunstância?
Um bloco de gelo, um prato de sopa e uma estátua em fuga
Sob o primeiro pano surge o “silêncio lutuoso” de um bloco de gelo a derreter. Da coluna à sua frente sai o som de várias vozes que pedem “um minuto de silêncio”. Coisa rara de conseguir hoje em dia e que, talvez por criar espaço para estarmos na nossa própria companhia, evitemos mais do que gostaríamos de admitir.
O bailado continua. Ao elevar-se, o segundo pano deixa à mostra uma sopa de lentilhas e acciona uma colagem sonora de 500 agradecimentos em português, inglês e espanhol. Ao longo de 18 minutos, ecoam no espaço discursos políticos, receções de prémios, inaugurações de eventos, canções populares e até vídeos de YouTube, que dão uma forma quase palpável ao conceito de “obrigado”.
“É rir para não chorar”, comenta Nuno Ramos. “Uma reflexão sobre a miséria e essa gente que existe dizendo obrigado”, mesmo quando o que tem a agradecer é apenas um prato de sopa, “a unidade mínima da miséria humana”.
Ao fundo da sala, o último pano levanta-se para inaugurar uma ausência. Talvez uma das coisas que, atualmente, mais povoam as nossas vidas.
Uma reprodução fiel da base de David de Michelangelo, marcada por duas pegadas gigantes, emite uma conversa entre o seu ocupante desaparecido e um entrevistador que o encontrou a boiar no rio Arno. É a confissão de um gigante cansado do tamanho, da fama e da admiração que alcançou. Um gigante cuja monumentalidade acabou por fazê-lo sentir-se tão insignificante como o rapaz que representa, no dia em que este teve de derrotar Golias.
Numa era em que sacralizamos a perfeição, a ausência e a fuga intencional da mesma do pedestal onde a pusemos soa a grito de alerta nesta última inauguração.
De uma forma poética e fazendo do som matéria, ainda que flutuante, Nuno Ramos relê a ideia de monumentalidade, dá peso às palavras e inaugura um novo olhar sobre a forma que temos de imortalizar memórias coletivas.
Opening > Galeria Francisco Fino > R. Capitão Leitão 76, Lisboa > até 11 mar, ter-sex 12h-19h, sáb 14h-19h > grátis