Água, fantasmas, silêncio, mais água. As telas sucedem-se nas paredes da Galeria Francisco Fino, em Marvila, e, como num filme, vão conduzindo o espectador ao longo de uma história sobre o passado e o futuro, sobre a loucura de criar num mundo a afundar e a poesia de conseguir fazê-lo em tais condições, como último gesto de humanidade.
É Gabriel Abrantes quem assina esta reflexão poderosa. Artista plástico transformado em cineasta, regressa agora à pintura, da qual se socorre para exprimir o fascínio que sente em relação ao futuro, à inovação, à Inteligência Artificial e, sobretudo, à humanidade que podemos conferir a qualquer uma destas coisas, se a tivermos dentro de nós.
As obras apresentadas em Nobody Nowhere (Ninguém em lado nenhum) são povoadas por fantasmas que pairam, mergulham ou lutam contra lençóis de água, protagonizando cenas de uma beleza delicada e peculiar, carregadas de um silêncio propenso à reflexão. “A água pode ser uma metáfora para a complexidade e um retrato do que estamos a viver, dos furacões cada vez mais fortes às inundações e ao aquecimento global, mas também pode significar uma inundação de dados, um excesso de informação”, revela Gabriel Abrantes.
Através de imagens nas quais a linha que separa o cinema da pintura é ténue, o artista retrata um futuro em que não há ninguém em lado nenhum, “está tudo inundado e a arte é principalmente feita por Inteligência Artificial”. A tela não será um grande ecrã, claro, mas a iluminação, o enquadramento, o ponto focal e o ambiente com que Abrantes realizou cada obra fazem-nos acreditar que, a qualquer momento, podem apagar-se as luzes e arrancar o filme.
O ator é o artista, presente através de objetos que acabam por dizer mais de si do que se surgisse representado sob a forma humana. É uma caça ao tesouro, em que cada pintura é povoada por pistas que permitem mergulhar na intimidade criativa de Abrantes. Sente-se que alguém quer dar-se a conhecer sem se impor. Como se sussurrasse: “Eu estou aqui. Se estiveres a olhar, procura-me; se conseguires ver, encontra-me.”
Nobody Nowhere > Galeria Francisco Fino > R. Capitão Leitão 76, Lisboa > até 21 jan, ter-sex 12h-19h, sáb 14h-19h > grátis