Os dias eram iguais às noites no Aberto 24 Horas, até ao momento em que “ela” entrou no bar e mudou a vida daqueles cinco personagens. Não precisam sequer de referir o nome desta mulher-bomba. Nunca aparece, mas domina a cena. Envolveu-se com Horácio, o mestre de cerimónias que conduz o espetáculo, Miami, a dona do bar com ares de mulher fatal, Rebordoredo, o consultor que faz do balcão o seu escritório, Muralhas, o campeão de snooker expulso de casa, e Fernandes B., o revolucionário romântico. Como se de um fantasma se tratasse, Brigita continua a pairar por aquele lugar “onde cabe o mundo inteiro” e a ser evocada por todos com veneração, esmiuçada pela sua postura, palavras, gestos, beleza.
Os sofás de couro vermelho, os varões, as bolas de espelhos, toda a decoração do Pérola Negra encaixa na perfeição no imaginário criado por Jacinto Lucas Pires, com carta branca dada pela Ensemble – Sociedade de Atores. Mas a verdade é que a escrita de Aberto 24 Horas estava concluída quando a companhia teatral optou por a levar à cena nesta casa mítica da noite do Porto, que já funcionou como cabaret, bar de striptease e, hoje, é um dos clubes mais alternativos da cidade. “Não conseguimos ter uma conversa sobre o Pérola que não desencadeie um sorriso na outra pessoa”, conta Jorge Pinto, o encenador. A verdade é que “há um nível de fantasia sobre o que seria este lugar que é muito mais extraordinário do que o aqui se passou”.
A estreia da peça foi na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, mas o palco convencional implicou uma encenação distinta. “Visualmente, os espetáculos são muito diferentes: lá tínhamos 20 figurantes e tínhamos de criar uma abstração, aqui já estamos no buraco; na ação e nas personagens são iguais, não tirei uma vírgula”, refere Jorge Pinto, durante o ensaio. Os “habitantes” do bar – interpretados por Daniel Silva, Pedro Mendonça, Tiago Araújo, Pedro Galiza e Joana Africano – rodam entre si as atenções, mas o protagonismo é reclamado pelas palavras de Jacinto Lucas Pires, em constantes jogos de sentidos.
“A peça é totalmente lúdica”, aponta o encenador. Não é exatamente o “musical sobre o submundo” – embora também tenha canções – que o dramaturgo sugeriu nas conversas iniciais com a equipa da Ensemble, mas ganhou outros contornos, nomeadamente do insólito. Seja como for, sublinha Jorge Pinto, “não temos na nossa ação nenhum propósito formativo que não seja o teatro. Se for bem feito, é formativo”. O prazer com que os atores se entregam aos papéis, esse, é inegável.
Aberto 24 Horas > Pérola Negra > R. de Gonçalo Cristóvão, 284, Porto > T. 91 222 4095 > 15 jun-até 2 jul, seg-sáb 19h (exceto dias 16, 23 e 24 de Junho) > €10