Se não fosse tudo tão trágico e real, até nos poderíamos dar ao luxo de rir de algumas destas personagens, à semelhança do fazemos com os filmes de Emir Kusturica – porque o que sobra neste tão voluptuoso retrato é uma ideia de absurdo. É tudo tão absurdo que se torna mesmo difícil partir daqui para qualquer explicação que não passe por um atestado de loucura coletiva.
Sergei Loznitsa, o mais importante dos realizadores ucranianos e um dos mais fascinantes da Europa, partiu em busca de Donbass, em tempos de ocupação russa (ou independentista), mas ainda antes da invasão de 2022. O filme não é um documentário, aliás nem sequer foi filmado na região ocupada (por motivos óbvios), mas concilia elementos estilísticos próprios do género, como de resto é habitual noutros filmes do realizador.
Loznitsa faz um retrato da ocupação através de um conjunto de quadros. Esses quadros ilustrativos tornam-se, muitas vezes, caricatos pelo seu absurdo. Nada parece encontrar lógica. Todos os movimentos são dominados pela corrupção e por uma violência gratuita e impune. O que vemos são personagens à deriva, com um instinto de sobrevivência social, num labirinto do qual nunca se vislumbra uma saída.
Através de Donbass, não encontramos qualquer solução para a atual guerra. Não são estas as raízes que nos dão respostas, apenas nos mostram um faroeste gelado, caótico, sem rumo nem lei. Há episódios sintomáticos, como o do homem que tenta recuperar o seu carro apreendido pelos militares; o balde de excrementos, despejado pela cabeça de um autarca, ou o violento final que transporta a ideia do assassínio da arte e da cultura.
Donbass foi indicado pela Ucrânia para os Oscars, em 2019, mas, ironicamente, Loznitsa, por defender publicamente os colegas russos contra o cancelamento dos seus filmes nos festivais europeus, acabou por ser expulso da academia ucraniana de cinema. De alguma forma, ele próprio foi vítima do absurdo que retratou.
Veja o trailer:
Donbass > De Sergei Loznitsa, com Tamara Yatsenko, Irina Zayarmiuk, Grigory Masliuk, Olesya Zhurakivska > 122 min