Podiam estar a exorcizar um passado, mas escolheram exorcizar antes uma ideia de futuro. A reflexão é de Patrícia Azevedo da Silva, que fez o apoio à dramaturgia deste novo espetáculo do coletivo Silly Season (Cátia Tomé, Ivo Saraiva e Silva e Ricardo Teixeira). Escolheram olhar não para a realidade dos artistas em 2022, ano em que celebram dez anos de existência, mas abordar uma possibilidade de futuro, colocando-se em 2062, ano em que virão a celebrar as bodas de ouro. E esse futuro imaginam-no perfeito: os artistas podem criar sem quaisquer tipo de pressões, criativas ou financeiras. Estão, com esta premissa, a dar uma hipótese ao futuro.
“Vivemos num tempo de autoexploração”, diz Ricardo Teixeira. “Não aceitamos os silêncios e as pausas, estamos constantemente em ritmo acelerado.” “Como se estivéssemos presos num sistema que nos leva a acreditar que se não formos produtivos não somos felizes”, acrescenta Ivo Saraiva e Silva. Toda a filosofia sobre as sociedades que o sul-coreano Byung-Chul Han tem vindo a desenvolver passa por aqui.
A dada altura, no futuro, dá-se o Grande Alívio, nome da revolução que torna a utopia realidade. “A arte, em vez de ser sempre o 1%, torna-se finalmente um bem essencial”, explica Ricardo Teixeira. “O telejornal, em vez de abrir com a venda de um jogador de futebol por x milhões, abre com o artista que está em crise com a sua obra.” Mas celebrando 50 anos em 2062, o coletivo tem de lidar com o peso da sua própria história – e apelam à morte como forma de libertação.
Há, aqui, uma continuidade temática dos Silly Season, relativamente às críticas que fazem desta sociedade da imagem, voyeurista, que aposta cada vez mais na imaterialidade. Mas há também uma continuidade formal neste Documentário: o uso de câmaras, projeção de imagens em tempo real e de outras que mostram momentos importantes da História recente (um Parlamento vazio, por exemplo).
Documentário > Teatro Meridional > R. do Açúcar, 64, Lisboa > T. 91 999 1213 > 19-22 mai, qui-sáb 21h, dom 17h > €12