Um dos melhores filmes estreados em 2020 só agora chega às salas portuguesas, tarde demais para poder figurar nas listas de balanço, mas perfeitamente a tempo de ser visto e admirado, O Perdão, assinado pela dupla Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, realizadores de curta filmografia, faz jus à riquíssima tradição do cinema iraniano.
O Perdão é uma espécie de complemento ou espelho temático de O Mal Não Existe, de Mohammad Rasoulof. O tema, delicado e corajoso, volta a ser a pena de morte. Enquanto Rasoulof dividia o seu filme em quatro histórias, como quem quer cercar o assunto, esta dupla conta-nos apenas uma, mas de um ponto de vista diferente e filosoficamente muito acutilante.
Em O Perdão, há um homem que é condenado à morte por erro judicial. Acompanhamos, então, a viúva em todo o seu sofrimento, desespero e raiva; mas também o juiz responsável pelo equívoco legal, tão humano como ela, com toda a sua insuportável culpa. Os dois aproximam-se: um em busca de um perdão ou alívio da consciência, a outra de um suporte. Desenham uma história de amor impossível, com final digno de uma tragédia de Shakespeare.
Dentro de toda a vitalidade poética do cinema persa, a primeira qualidade que ressalta à vista é a qualidade do argumento. São linhas bem cosidas que fazem coincidir picos emocionais extremos com a emergência de um debate moral. Ao mesmo tempo que nos expõem às mais belas imagens – a cena final é de uma força e violência expressiva raras. Não deixa de ser um filme-tese, sobre um sistema injusto – atinge o seu ponto alto a esse nível na discussão entre juízes – revelador do cariz da sociedade iraniana, em que o debate legal e moral se submete a uma espécie de dogma teológico. Acrescente-se, ainda, as brilhantes interpretações, sobretudo de Maryam Moghadam, que também realiza o filme.
Veja o trailer do filme
O Perdão > De Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, com Maryam Moghadam e Alireza Sanifar > 105 minutos