A luz atravessa as janelas da galeria da Brotéria, pincelando tudo o que toca de reflexos carmim. O espaço é inundado de cor, como se Oracle Nº 330, o vinil que cobre as vidraças, tentasse escapar do local onde o colaram e apoderar-se de cada partícula de ar que o separa da escultura de luz azul, branca e encarnada, no centro da sala. Luz de fora e luz de dentro acabam enfim por se tocar, de cada vez que alguém passa e, iluminado por uma, admira a outra.
O espaço está para Íris, exposição de Diogo Evangelista na galeria da Brotéria, em Lisboa, como o silêncio para uma sinfonia. É fundamental. Sem se impor, é o lugar onde ecoam os passos e os pensamentos de quem entra, onde as ideias vibram e se intersetam com a cor e a matéria, e a arte nasce para além das obras.
À entrada, uma escultura composta por nove elipses luminosas desenha as órbitas de um hipotético planeta do sistema solar, numa “visão cósmica” das relações frágeis e complexas que existem entre os vários seres. Já uma pintura em forma de pentagrama devolve-nos o nosso reflexo, confrontando-nos com aquilo que somos: estranhos que vivem, ao mesmo tempo, dentro e fora da obra, mas que fazem sempre parte dela.
O convite é feito à capacidade de nos maravilharmos, seja com um planeta imaginário ou com o nosso próprio reflexo, e de abrirmos as portas da alma ao que, sendo estanho ou diferente, surpreendentemente acaba na nossa órbita, atraído por alguma força gravitacional que connosco partilha.
O nome escolhido para a exposição, Íris, encontra o fundamento nas 23 pinturas que imortalizam 72 horas da vida de uma Íris Germânica. Realizada durante a quarentena, a obra representa o regresso de Diogo Evangelista às origens, a pintura espelha a efemeridade da vida e cristaliza o tempo, na medida em que, dependendo do ponto de partida, o visitante levará a flor à morte ou tra-la-á de volta à vida.
Longe de ter sentido um abalo profundo na criatividade, o artista acredita antes que o mundo que isolou a órbita de cada um em quarentenas sucessivas, é também aquele que moldará o regresso à vida. “Estamos a reiniciar, é importante percebermos que a arte pós-pandemia é quase uma arte pós-guerra. Em termos emocionais, mais do que abalar a criatividade, obrigou-nos a pensar na essência das coisas, e isso deixará marcas”.
Íris, de Diogo Evangelista > Brotéria > R. São Pedro de Alcântara, 3 , Lisboa > até 11 set, seg-sáb 10h-18h > grátis