O verdadeiro outsider dos últimos Oscars foi O Pai, um filme inglês (em coprodução com uma produtora francesa), realizado pelo francês Florian Zeller, que valeu a Anthony Hopkins um justíssimo Oscar para melhor ator e venceu, ainda, na categoria de melhor argumento adaptado. O Pai é a versão cinematográfica de uma peça de teatro escrita pelo próprio Zeller, com encenações e representações um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal (encenação de João Lourenço no Teatro Aberto, com João Perry como protagonista). É também a primeira experiência no cinema do aclamado dramaturgo e encenador.
Da transposição do teatro ficaram os elementos fundamentais: a riqueza do texto e o trabalho com os atores. E é isso que se destaca neste árduo processo de empatia. Há muitos filmes sobre a demência, mas são raros aqueles que têm esta capacidade de nos colocar na pele do debilitado. E tal é feito com delicadeza suficiente para nos prender sem sentirmos qualquer espécie de abuso ou enfado. A técnica, de resto, tem pontos em comum com filmes de terror ou de suspense – a verdade é que nós próprios, por empatia e comunhão, partilhamos mesmo o terror e desespero do homem velho que começa por não reconhecer a sua filha e acaba por não se reconhecer a si próprio.
Hopkins que, com a sua modéstia, disse que fora uma tarefa fácil, porque só tinha de fazer de velho, que é o que ele é, faz um papel fenomenal, desequilibrando-se sem perder o equilíbrio. Só ao nível de um ator do outro mundo. É um filme que se deve, em grande parte, ao trabalho de um homem só, numa dolorosa apropriação da velhice, tema de dimensão universal.
A interpretação de Hopkins vai progredindo em crescendo, até ao ex-líbris que é a cena final. O Pai, na verdade, fala de todos nós.
Veja o trailer do filme “O Pai”
O Pai > De Florian Zeller, com Anthony Hopkins, Olivia Colman, Mark Gatiss > 97 minutos