1. Nomadland – Sobreviver na América, de Chloé Zhao: Um dos principais candidatos aos Oscars é um on the road sobre uma América profunda e as franjas incógnitas da sociedade
Numa altura em que Hollywood elevou ao extremo um conjunto de quotas e prescrições que ambicionam corrigir, de modo fulminante, uma longa história de preconceito e discriminação racial e de género, somos surpreendidos com Nomadland – Sobreviver na América, uma obra que, de alguma forma, inverte ou complexifica essa lógica. A produção tem logo vários pontos a favor: o filme é realizado por uma mulher não branca, a chinesa Chloé Zhao, e protagonizado por outra mulher. Só que, ao contrário de Lee Isaac Chung – o realizador de origem coreana que, em Minari (também na corrida dos Oscars), revisita a história da chegada da sua família à América –, Zhao faz um filme longe das suas raízes, que reflete, acima de tudo, o seu fascínio pela cultura ocidental, que a levou a ir estudar para Inglaterra e EUA.
Nomadland lança um olhar perspicaz e poético sobre o que pejorativamente se costuma apelidar de white trash, centrando-se numa mulher de meia-idade que percorre a América, sobrevivendo à custa de trabalhos sazonais ou simplesmente temporários. Um estilo de vida ousado e despojado, mas que se afasta da ideia romântica de espírito de aventura à medida que a deriva se torna contínua. Quando se passa demasiado tempo na estrada, a estrada passa a ser um lugar. Mas a estrada, para Fern, também é um permanente ponto de fuga, de reação ao trauma e a uma inabilidade social.
Com todos estes elementos, Chloé faz um filme de notável densidade poética, que aproveita bem a riqueza da paisagem desértica da América profunda. E sobretudo tira o melhor partido de Frances McDormand, que já nos tinha deslumbrado recentemente em Três Cartazes à Beira da Estrada. A atriz consegue, através das marcas do seu rosto vulgar, transmitir a complexa profundidade de uma mulher vivida. De Chloé Zhao, com Frances McDormand, David Strathairn e Linda May, 107 min
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2. Undine, de Christian Petzold: Um filme-mergulho sobre as camadas subaquáticas do amor, entre o mito e a realidade
Morrer de amor já não se usa, mas viver de amor também pode ser bastante complicado. É, em síntese, o que o último filme de Christian Petzold nos parece querer dizer. Uma história feita de amores extremos, entre o real e o transcendente, um pouco como uma A Forma da Água (Guillermo del Toro, 2017) menos piegas, em que o sedutor monstro é substituído por um minúsculo mergulhador de porcelana, aparentemente com poderes sobrenaturais, que poderá metaforicamente simbolizar o subconsciente. Isto é o suficiente para que o filme misture duas linguagens e dois planos, entrando de forma progressiva no domínio do presságio, do onírico, sempre mais próximo do pesadelo do que do sonho.
O filme começa bem, com uma introdução forte da personagem, Undine, uma mulher que friamente ameaça matar o companheiro caso ele não volte atrás com a intenção de acabar a relação. Inspira-se no mito de Ondina, particularmente na versão do conto de La Motte-Fouqué (1811). Uma espécie de toxicidade feminina, numa caracterização impecável de uma mulher fria por fora, mas que se entrega de forma ilimitada nas relações amorosas. Uma interpretação magnífica de Paula Beer, o melhor que o filme nos oferece. De Christian Petzold, com Paula Beer, Franz Rogowski, Maryam Zaree, 91 min
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3. Ciclo Joseph Losey, Cinema Medeia Nimas: Um cineasta essencial
Em Lisboa, o Cinema Medeia Nimas reabre as suas portas em grande estilo, com um ciclo dedicado a Joseph Losey, dando seguimento a uma programação do tipo cineclube, que bons frutos deu no intervalo entre confinamentos. O desalinhado Joseph Losey é um dos mais fascinantes realizadores americanos da segunda metade do século XX. Saiu dos Estados Unidos, estabelecendo-se na Europa, para fugir ao McCarthismo, e acabou por se deixar influenciar pela nouvelle vague e por outros movimentos do cinema europeu, criando um estilo e um universo únicos.
O cinema de Losey é construído através de personagens carismáticas, da figura do playboy à femme fatal, com fortes traços psicológicos de obsessão. Tal é visível na relação entre o criminoso e sedutor Johnny Bannion e a obstinada Suzanne, em Prisão Maior (1960), mas torna-se mais evidente nas três obras maiores que se seguem. No perturbante Eva (1962), desenha-se uma maquiavélica personagem feminina implacável perante a doentia obsessão de Tyvian. Em O Criado (1963), cria-se um jogo de necessidades, que culmina na destruição psicológica de Tony (o filme terá influenciado Parasitas). E em Acidente (1967), há um complexo e libidinoso jogo de obsessões com desfecho trágico. Finalmente, Mr. Klein – Um Homem na Sombra, filme francês já dos anos 70, mantém todos esses traços, mas é sobretudo uma poderosa e inteligente reflexão sobre o antissemitismo. Os filmes serão exibidos em cópias digitais restauradas. Cinema Medeia Nimas > Av. 5 de Outubro, 42B, Lisboa > T. 21 357 4362 > 19 abr-12 mai > medeiafilmes.com/cinemas/cinema-medeia-nimas
Veja o trailer do ciclo Joseph Losey, Cineasta Essencial