O filme começa com o insólito episódio de uma mãe a ser ameaçada com um processo por o seu filho alegadamente ter empurrado outra criança no escorrega da escola. O filho diz que não o fez, mas ela duvida da sua palavra, causando-lhe uma crise interior. Para o espectador, fica logo uma coisa clara: estamos no Japão, uma sociedade de filhos únicos, em que a parentalidade é valorizada de forma proporcional à sua rareza. Contudo, a reflexão aqui é outra, e o episódio serve apenas para nos dar o contexto.
Naomi Kawase (Uma Pastelaria em Tóquio, 2015), realizadora que já nos tinha mostrado uma apetência para revelar pequenos mundos, dedica-se desta vez à maternidade. Deparamos com extremos opostos mas complementares: uma mulher que quer ter filhos e não pode e uma adolescente que está grávida de um filho que não quer. Aparentemente, é um caso de simbiose de interesses que nos conduz a uma empresa de adoções. Na prática, é algo mais complexo, que se torna interessante pela abordagem.
Em vez de se limitar a um ângulo, a realizadora oferece as duas perspetivas, para assim nos dar um olhar mais elaborado da questão. Os dois lados da mesma história adensam o drama e enriquecem o enredo, afastando ilações simplistas. O filme, estreado em Cannes, tem momentos de elegante delicadeza que nos fazem lembrar os grandes mestres nipónicos.
As Verdadeiras Mães > De Naomi Kawase, com Hiromi Nagasaku, Arata Iura, Ayama Makita, Miyoko Asada, 140 min