Apesar de todos os constrangimentos, provocados pela (ausência de) política cultural do Governo de Bolsonaro, o cinema brasileiro está em grande forma, com jovens realizadores a darem nas vistas em festivais europeus de cinema, que vale a pena conhecer.
Um deles é Fellipe Barbosa, de quem se estreia agora a sua mais recente longa, de 2018, com o singelo título Domingo (Clara Linhartt assina também a realização). O contexto vale por todo o filme: um encontro de família (ou de famílias) numa quinta do Rio Grande do Sul. O dispositivo é semelhante ao de filmes como O Verão do Skylab, de Julie Delpy, só que a carga nostálgica é substituída por uma disfuncionalidade excêntrica. Todo o ambiente bucólico, estival e prazenteiro é contaminado pela ebulição de uma panela prestes a rebentar nas mãos de personagens dominadas pelas suas próprias perversões, que apenas se mantêm próximas por um vago sentido de pertença familiar.
Muitas destas personagens são elevadas a um registo próximo da caricatura, como Laura, a suposta matriarca, de uma desumanidade social premonitória do bolsonarismo. Ou Bete, excêntrica e provocatória, numa quase histeria hippie na fronteira da loucura.
Há um contexto político marcado na data do filme, 2003, coincidente com a primeira eleição de Lula, mas tal não ocupa demasiado tempo na narrativa. Domingo, que esteve em competição em Veneza, está nos antípodas da toada espiritual e contemplativa do filme anterior de Fellipe Barbosa, Gabriel e a Montanha, também já estreado em Portugal.
Domingo > De Fellipe Barbosa e Clara Linhartt, com Ismael Caneppele, Augusto Madeira, Camila Morgado > 94 min