Uma das mais sintomáticas cenas de O Paraíso, Provavelmente ocorre quando Elia Suleiman, ou o alter-ego por si representado, se encontra com um possível produtor em Paris e este elogia o seu guião, mas depois lá se confessa desiludido pela forma ténue e atípica como aborda a questão palestiniana. O Paraíso, Provavelmente é um manifesto de liberdade – não apenas de sensibilização para a causa da Palestina e a necessidade de o país se libertar da opressão israelita, mas também da liberdade criativa individual e autoral, contra a formatação exótica ou geopolítica das margens. Suleiman é como aquele músico do Caribe que insiste em não usar maracas.
A sua linguagem ultrapassa o contexto regional e uma boa intenção política, ideológica ou humanitária. E é desarmante perceber que o mais famoso realizador palestiniano da atualidade tem uma linguagem tão forte que o facto de ser palestiniano, por vezes, parece apenas um pormenor (mas não o é). Aliás, na inusitada geografia das afinidades artísticas, verifica-se que o realizador mais próximo do estilo de Suleiman vive nas longínquas terras do Norte: é o sueco Roy Andersson. Ambos têm um apurado sentido de humor, um olhar irónico sobre uma realidade surrealizante, uma força estética de expressão, uma capacidade de organização de longas-metragens em sketches (Suleiman de forma menos assumida). Andersson é formalmente mais radical, mas Suleiman tem outras características muito interessantes. Herda de Buster Keaton, entre outros, a figura de clown burlesco. A forma como se autorrepresenta consegue ser hilariante, colocando-se e colocando-nos no papel do observador espantado. Sempre foi assim e assim continua a ser, com novos contornos.
O filme divide-se em três partes: Nazaré, Paris e Nova Iorque. De forma clara, o que nos oferece não é o olhar de um realizador palestiniano sobre o universo em redor, mas, sobretudo, o olhar palestiniano sobre o mundo, conferindo-lhe a mesma estranheza, dando-lhe o mesmo sentido exótico – como quem expõe os habituais centros do mundo às suas incoerências e extravagâncias, sempre nas margens da realidade.
Veja o trailer:
O Paraíso, Provavelmente > de Elia Suleiman, com Elia Suleiman, Tarik Kopty, Kareem Ghneim, 102 minutos