Havia alguém que dizia que, na América Latina, para ser um escritor fantástico bastava descrever a realidade. Ora Benzinho, obra premiada de Gustavo Pizzi, tem todos os ingredientes naturalistas, e por isso mágicos e surpreendentes, de um bom filme brasileiro. Consegue ser ao mesmo tempo Rossellini e Fellini; tanto nos expõe à realidade pungente de um Brasil desesperado como nos envolve num mundo acolhedor e quase surrealista de uma família remediada.
Benzinho é uma daquelas obras em que o ambiente, por si só, é tão bem desenhado que quase se dispensava encontrar uma narrativa para contar. Não obstante, Gustavo Pizzi conta a sua história e filma-a com um naturalismo anticaricatural que contrasta com o potencial dramático das próprias personagens. Há a mãe, figura tutelar, que vende atoalhados numa banca e se esforça por sustentar a família; o pai, livreiro, com tendência para a megalomania, que no fundo só busca uma saída; e os quatro filhos: dois gémeos, um miúdo de 12 anos que vive com uma tuba enrolada no corpo e o mais velho que é guarda-redes de andebol. Há também a tia, vítima de violência doméstica, que se refugia ali para estar a salvo do marido toxicodependente. E há ainda a casa que adquire quase o estatuto de personagem, fazendo lembrar a música de Vinicius, ou as casas tortas de Tim Burton.
O filho mais velho recebe uma proposta para ir jogar andebol para a Alemanha. E esse é o rastilho para toda a história, vivida sobretudo através da perspetiva da mãe, uma interpretação memorável de Karine Teles. Entre a angústia e a esperança, um retrato da decadência da classe média brasileira, depois de o PT sair do poder, que mostra um país sem saída, onde não se encontra viabilidade económica para a felicidade.
Veja o trailer do filme:
Benzinho > De Gustavo Pizzi, com Karine Teles, Otávio Müller, Adriana Esteves > 95 minutos