É, sem dúvida, o grande nome do realismo social inglês. Ken Loach mantém, aos 83 anos, uma grande coerência e consistência na linha de cinema que defende e aplica, com uma capacidade notável de perceção e adaptação aos novos tempos. Hoje, na ordem do dia, já não estão os direitos dos mineiros nem a exploração dos operários da construção civil em Inglaterra. Mudam-se os tempos, mas os problemas mantêm-se semelhantes ou agravados na sua essência. E Loach apercebeu-se das subtis formas de exploração laboral escondidas em termos como empreendedorismo e franchising, que, muitas vezes, servem para contornar conquistas legais de trabalhadores, fruto de lutas antigas. Ao ver o filme de Loach, temos, de facto, a sensação de que estamos perante um retrocesso civilizacional.
Em Passámos por Cá (tradução em que se perde o duplo significado do inglês: Sorry, We Missed You), encontramos um pai de família, cheio de dívidas, que, abraçando uma lógica empreendedora, adere a uma empresa de transporte e entrega de encomendas. Feitas as contas de cabeça, aquele trabalho permite-lhe, num prazo de dois anos, comprar uma casa para a sua família. Mas há uma lógica perversa: ele não é assalariado de ninguém e usa a sua carrinha para um serviço de franchising, mas, na prática, dá-se uma exploração (através de um sistema de obrigações e penalizações) com uma ausência de direitos semelhante aos tempos da Revolução Industrial. O “sonho inglês” revela-se um pesadelo também porque os custos familiares se tornam violentíssimos. Tal como acontecera em Eu, Daniel Blake, Ken Loach revela uma sensibilidade político-social e de denúncia, e atenção às franjas da sociedade.
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Passámos por Cá > De Ken Loach, com Debbie Honeywood, Kris Hitchen, Rhys Stone > 101 minutos