Há outra citação de Henri Cartier-Bresson (1908-2004), menos banalizada e mais interessante do que “instante decisivo”, lema associado ao seu corpo de trabalho monumental: “A fotografia é uma reação imediata, o desenho é uma reflexão.” De alguma forma, os seus retratos poderiam reclamar esta qualidade durável: acompanhado pela fiel Leica, Cartier-Bresson capturou amigos, monstros sagrados das artes e criaturas sem nome no México, na China ou no gueto de Varsóvia, com uma simplicidade que dispensava artifícios, mise-en-scène, grandiloquência, piruetas – que trazem mais a visão do fotógrafo do que a verdade do fotografado. Os retratos feitos pelo cofundador da agência Magnum são dominados por valores aparentemente modestos: humanidade, sensibilidade, intimidade. E respiram um tempo longo – o dos cabelos brancos (em muitos dos retratados), o da sobrevivência da imagem (já que este património transfigurou-se em “fotografias icónicas”), o da familiaridade –, ainda que cada sessão fotográfica durasse o tempo de uma única e curta visita…
Vemos um ensimesmado Ezra Pound, deus crepuscular abstraído da câmara, uma Édith Piaf de cabelos revoltos e rosto invulgarmente sereno, Jean-Paul Sartre encasacado e acompanhado do cachimbo a desenhar-se, nítido e racional, numa ponte parisiense enevoada, e ainda Martin Luther King apanhado à secretária, caneta-arma na mão, sete anos antes de ter sido assassinado. A Marilyn de Cartier-Bresson refugia-se, recatada, com um cão aos pés, e o rugoso Alberto Giacometti ecoa a matéria das esculturas. Picasso? É o pintor do quarto desarrumado. Igor Stravinsky troca o piano pela bengala, Robert Kennedy bronzeia-se de olhos fechados, Henri Matisse desenha as pombas brancas no ateliê e um impossivelmente jovem Truman Capote espreita, desconfiado, num banco cercado de folhas largas. Estas são algumas das 121 imagens patentes em Henri Cartier-Bresson: Retratos, exposição que percorre sete décadas de trabalho do fotógrafo (e pintor, realizador e documentarista) francês, baseada no livro Tête à Tête (1998). Na introdução deste, o crítico E. H. Gombrich recorda que Henri era um ávido desenhador da “paisagem do rosto humano” (a que regressa na fase final da sua vida) e defende que, à semelhança de pintores como Ticiano ou Rembrandt, “poderíamos confiar que [os retratos de Cartier-Bresson] reterão essa centelha de vida que apenas um mestre é capaz de transmitir a um retrato fotográfico”.
O Porto fotografado por Cartier-Bresson em 1955 é reinterpretado em 12 trabalhos de André Boto, Diogo Borges, Pedro Mesquita e Luís Nobre, mostrados na exposição complementar Retratos-Porto: Um Olhar Contemporâneo, cuja venda reverte a favor da associação O Joãozinho.
Henri Cartier-Bresson: Retratos > Alfândega do Porto > Edifício da Alfândega, R. Nova da Alfândega, Porto > T. 22 340 3000/24 > até 12 abr, seg-sex 10h-19h, sáb-dom 10h-20h > €10