Construído em 1865 por Vicente Gomes da Silva, o Ateliê Vicentes é um dos dois únicos estúdios de fotografia do século XIX existentes em Portugal. Durante quatro gerações, até 1978, serviu de local de trabalho a esta família madeirense de fotógrafos. Só isso já chegaria para justificar uma visita ao local e ver as máquinas fotográficas, os cenários e os adereços oitocentistas, bem como o laboratório fotográfico, muito bem apetrechado. Mas quem agora transpuser a porta do emblemático edifício da Rua da Carreira, no centro do Funchal, encontrará muito mais do que isso: será convidado a fazer uma viagem pela história da fotografia e terá acesso a um património de imagens até agora inacessível ao público.
Encerrado há cinco anos, o espaço foi completamente renovado e requalificado, tanto do ponto de vista arquitetónico como do ponto de vista museológico, oferecendo,a partir de agora, três motivos de interesse: o estúdio, a exposição permanente e uma mostra temporária. Emília Tavares, curadora de fotografia do Museu do Chiado, e Alexandra Encarnação, coordenadora do Arquivo de Documentação Fotográfica da DGPC (Direção-Geral do Património Cultural), foram as responsáveis pela requalificação museológica. Integraram na reconstituição do ateliê (que recebeu peças de outros acervos) a história técnica da fotografia. “Queremos que as pessoas percebam o que era a fotografia no século XIX”, afirma Emília Tavares. Os primeiros processos, como o daguerreótipo ou o autochrome (fotografia colorida), são aqui explicados e contextualizados. “Há também conteúdos relacionados com a pré-história da fotografia, como uma coleção fabulosa de lanternas mágicas.”
A essa viagem pela história técnica junta-se a exposição permanente, pensada para permitir uma panorâmica da fotografia madeirense nos séculos XIX e XX, organizada em torno de duas ideias-chave, retrato e paisagem. São 251 imagens provenientes dos espólios de 15 fotógrafos, amadores e profissionais. Há muitos originais inéditos, entre os quais sobressaem a “descoberta” do trabalho de Joaquim Augusto de Sousa e imagens nunca mostradas de João Francisco Camacho. “A Madeira tem um património singular na história da fotografia em Portugal”, explica Emília Tavares. “É importante pela qualidade e pela diversidade, mas também por ter a marca do que era este território, marca que foi fundamental na constituição da própria identidade atlântica.”
Surpresas
O museu possui um espólio de 1,5 milhões de imagens, que se encontram agora à guarda do Arquivo Regional, onde estão a ser inventariadas, recuperadas e digitalizadas. É um trabalho invisível, mas extraordinariamente importante, pois, além de preservar os documentos, vai permitir que a relação entre o arquivo e a parte museológica continue a ser aprofundada. “Os espólios são muitos, precisam de ser estudados – e, se o fizermos, as surpresas vão continuar a aparecer”, remata Emília Tavares.
O novo museu passará também a albergar mostras temporárias. A primeira, já patente, é Tesouros da Fotografia Portuguesa do Século XIX, uma notável exposição que esteve no Museu do Chiado em 2015 e que foi agora remontada para contextualizar a produção madeirense. A 23 de outubro, inaugurará Fotografia e Viagem, com curadoria de Emília Tavares e Margarida Medeiros, tema que servirá também de mote a uma conferência internacional, a 24 e 25 de outubro.
A requalificação do museu, promovida pelo Governo Regional da Madeira, custou 1,5 milhões de euros. “Todo o dinheiro investido na cultura se multiplica geracionalmente”, defende Francisco Clode, diretor de serviços dos Museus e Património da Direção-Geral da Cultura da Madeira que, entre as fotografias “notáveis” agora acessíveis, tem uma predileção especial por duas. “A da imperatriz Sissi sentada com as suas damas de companhia, tocando uma braguinha; e aquela que é talvez a primeira selfie da História, com o conde Torre Bela a espreitar para a câmara, com a paisagem por trás.” “A Agustina Bessa-Luís dizia que a Madeira é já em si uma grande história, que só falta contá-la”, continua. “Estou convencido de que a partir de agora se vá começar a contá-la.”
Museu de Fotografia da Madeira – Ateliê Vicentes > R. da Carreira, 43, Funchal > T. 291 211 830 > ter-sáb 10h-17h > €3