O Sky Mirror (Espelho do Céu) de Anish Kapoor demorou horas a instalar-se no jardim Relógio de Sol, junto ao Roseiral, no Parque de Serralves, no Porto. Ao trabalho minucioso do manobrador da grua, instalada na Avenida dos Liquidâmbares, somou-se o dos construtores que, dias antes, tinham feito um volume de cimento nesse jardim, capaz de suportar as mais de duas toneladas da icónica obra, em aço inoxidável, que o artista indiano, radicado em Londres, criou para Serralves. Tudo tinha de bater certo: desde o transporte da peça através de espaços vazios entre a copa das árvores para poder chegar ao jardim Relógio de Sol – escolhido pelo artista por se tratar de um “sítio intimista” – até ao encaixe da obra, com precisão, no tal volume de cimento.
Mostrar ao público “a dimensão cósmica” do trabalho de Kapoor, autor de obras icónicas e de grande escala nas duas últimas décadas – como a conhecida Cloud Gate, no Millennium Park, em Chicago – foi o objetivo de Suzanne Cotter quando, há mais de um ano, ainda diretora do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, convidou o artista para uma exposiçao. Toda a preparação decorreu, entretanto, entre o ateliê do artista em Londres e o museu portuense, visitado por Anish Kapoor em janeiro último. Nessa altura, em que Kapoor terá visitado o Parque de Serralves pela primeira vez, Suzanne Cotter recorda a surpresa do artista ao passear pelo Parterre Central. “Achou-o demasiado lindo”, conta. E, por esse motivo, terá decidido não pôr nenhuma das suas obras nesta zona frente à Casa de Serralves, com jogos de água e arbustos informais.
O posicionamento das obras de Kapoor foi planeado de acordo com a própria arquitetura do Parque de Serralves. E os cuidados foram muitos. Sky Mirror, à semelhança de outras versões da escultura concava, criada para o exterior de Wellington Circus, em Nottingham, foi “a peça que precisou de maior cuidado na sua instalação”, assume Marta Moreira de Almeida, diretora adjunta de Serralves. “O grande desafio foi encontrar o manobrador da grua. Recebi dez propostas, e a maioria recusou fazer este trabalho. Tinha que ser alguém com agilidade”, explica. “A peça vai refletir o céu, o sol, o parque. O posicionamento de cada visitante mudará a perceção da obra”, acrescenta Suzanne Cotter.
De Versailles para o Porto
A obra mais pesada – 17 toneladas, sete metros de altura – foi colocada à entrada do Museu, na Clareira das Bétulas. Em Sectional Body preparing for Monadic Singularity (2015), criada inicialmente para o exterior do Palácio de Versailles, em Paris, feita em PVC e aço, destaca-se o vermelho. “A cor é muito importante e evidente nos trabalhos de Anish”, lembra a curadora. Foram precisos dois camiões para transportar a escultura, que chegou em peças e só mais tarde seria montada pela equipa do artista indiano-britânico. Para acolher a obra na Clareira das Bétulas foi necessário “um trabalho de engenharia para ajudar à distribuição do seu peso”, salienta Marta Almeida, referindo ter sido feita “uma sapata especial” pelo facto de o terreno se encontrar localizado em cima da garagem do museu. “Nesta obra pode apreciar-se a escala na sua linguagem corporal. A ideia de um cone que desce em frente a nós, e vai para além das nossas formas de ver”, aponta Suzanne Cotter. Já no seu interior “é como entrar num corpo, há um ambiente psicológico”. A escultura “tem uma relação de diálogo com o museu. A sua escala ultrapassa-o, mas tem uma vida e energia muito interessantes”, nota a curadora.
Uma Obra-Viva em Serralves
Quando percorreu Serralves, em janeiro, Anish Kapoor demonstrou vontade em construir uma escultura única para o Parque. Chamou-lhe Bird Caller e tem vista para o Prado: uma espécie de espiral, em cimento, onde todos os domingos (à exceção deste sábado, 7) estará um chamador de aves. “Achei esta obra muito poética. É uma obra-viva”, confessa Suzanne Cotter. Mais à frente, no Prado das Abelhas, será instalada outra escultura de Kapoor, com a terra como matéria-prima: “Earth Work”, com 34 metros de altura, deverá inaugurar no outono, encontrando-se ainda em fase do processo de engenharia.
Mais acima, na Clareira das Azinheiras, o público verá uma das obras mais antigas de Anish Kapoor concebida para o exterior: Descent into Limbo (1992), um cubo de seis por seis metros, construído em betão e estuque no próprio Parque, convidando-nos a entrar para “uma experiência no vazio”. “Toda a sua linguagem é muito complexa e fundamental ao mesmo tempo. A obra não se apreende de um só lado, é preciso entrar e explorar”, reforça a curadora.
Suzanne Cotter sugere um percurso-livre pelas obras de Anish Kapoor, propondo ao público que finalize a visita à exposição Anish Kapoor: Obras, Pensamentos, Experiências já no interior do museu, observando White Out, no átrio, e as dezenas de maquetes do artista. “Esta sala é como um laboratório. Queria fazer uma ligação entre as obras de grande escala do artista e o seu trabalho que começa no ateliê”, conta a atual diretora do Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean (MUDAM), no Luxemburgo, sobre este que é o seu último trabalho de curadoria em Serralves, onde regressou para esta exposição. “Fico especialmente feliz por estar cá para esta exposição. Para mim, é o culminar das ambições que tive durante os últimos cinco anos [em que foi diretora do Museu]”. “Serralves faz parte de mim. Espero que também uma parte de mim faça parte da sua história. Desejo que o museu mantenha o seu ADN, um compromisso para os artistas, para os públicos, para a arte”.