Todo o filme se desenha como quem busca as palavras exatas para construir o mais belo poema de amor. Esplendor é uma exaltação dos sentidos, um desafio sinestésico, onde a realizadora, a japonesa Naomi Kawase, eleva o seu sentido lírico a um patamar quase transcendental. A figura central de Esplendor é Misako. Tem a profissão quase etérea de reconstruir um filme para cegos, traduzindo imagens por palavras, arte difícil e meticulosa. Há que buscar a medida justa, que não seja demasiado minuciosa, para não limitar a imaginação, e que não seja demasiado abstrata, de modo a não ignorar o que se vê. Nesse seu esforço hercúleo conta com o apoio de um grupo de cegos que vai apreciando e comentando o seu trabalho. Entre eles, encontra-se o senhor Nakamori, um brilhante fotógrafo que, por doença, perdeu a visão quase na totalidade. Uma personagem amarga, com a qual ela estabelece uma relação de conflito e deslumbre.
Estes são ingredientes poderosos para um filme feito de sensações e emoções que mexem com as entranhas da alma, onde há um sentido profundo, não só da capacidade sugestiva da linguagem mas também do potencial metafórico das imagens, na busca de uma visão que ultrapasse a capacidade física da retina.
Kawase não põe qualquer travão no seu sentido poético, elevando a comoção a um ponto raro na cinematografia ocidental. Uma espécie de ex-líbris de uma linguagem metafórica e densamente humana que já tinha demonstrado, de forma ligeiramente mais contida, em filmes anteriores como A Quietude da Água e Uma Pastelaria em Tóquio. Tem também em comum com outros filmes de Kawase a atenção aos pormenores, a micromundos que se escondem na azáfama da cidade, como quem procura pétalas de rosa nos intervalos do asfalto. Esplendor é um ensaio sobre a cegueira, que não se fica pelas mais superficiais e dramáticas impressões. Investe a fundo em busca dos olhos da alma.
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Esplendor > De Naomi Kawase, com Masatoshi Nagase, Ayame Misaki, Tatsuya Fuji > 101 minutos