
Tiago Rodrigues, dramaturgo, encenador e diretor do Teatro Nacional D. Maria II torna, mais uma vez, os dispositivos do teatro visíveis em palco
Filipe Ferreira
O exercício dá a ver-se enquanto exercício. Depois de Sopro, em que Tiago Rodrigues trouxe a figura do ponto para dentro do espetáculo, o dramaturgo, encenador e diretor do Teatro Nacional D. Maria II torna, mais uma vez, os dispositivos do teatro visíveis em palco. Neste caso, torna visível o processo da apresentação final da residência de dois meses de alunos da escola de teatro suíça La Manufacture, intitulada Nada Acontece como Planeamos, em cena nesta sexta, sábado e domingo (dias 25, 26 e 27) na sala Garrett. A ficção aqui apresentada intercala a interpretação de excertos de O Cerejal, de Tchekhov, um cliché enquanto escolha para uma apresentação final, com uma série de cartas que estes jovens estrangeiros a viverem temporariamente em Lisboa encontram no apartamento onde estão alojados. Trata-se de 17 cartas de amor, de obsessão e de despedida escritas por alguém, as quais têm como ponto de referência o Jardim do Príncipe Real. Dezasseis delas servem de pretexto para que cada aluno apresente o seu solo. A fragilidade da pele dos pés, descalços, a contrastar com o verde artificial da relva que cobre o palco metaforiza a vitalidade do erro, traduzida em interpretações, ora demasiado tímidas ora demasiado exageradas. Os espectadores sentem-se auditores sem o peso da avaliação.
“Eu escrevo a minha preocupação e desejo de que o teatro seja sempre uma ferramenta que nos recorda que estamos juntos, numa sala, hoje. Isso é para mim uma antecâmara de ação”, diz Tiago Rodrigues. A abordagem à cidade é feita a dois níveis. “Era importante que houvesse esta relação entre a pólis – o coletivo, a cidade onde se vivem encontros – e a relação íntima que é, no caso, outro romântico, outro à escala humana”, explica. “Acho que um dos grandes desafios das cidades é continuarem a existir à escala humana e não apenas à escala arquitetónica ou urbanística.” A questão da mudança é também retratada no espetáculo através da desconstrução do poema de Camões “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança.” O Senhor do Adeus, que ocupava os dias a acenar a quem passava junto à Praça do Saldanha, é um dos sujeitos personificados. E sugere que a ideia de fim está associada à ideia de início – o gesto do adeus serve como um “olá” – e a ideia de partida, à de chegada. Como refere Afonso Cruz no seu último livro, Jalan Jalan, a viagem é uma forma de passarmos a conhecer melhor o ponto de onde partimos.
Nada Acontece como Planeamos > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. de D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > 25-27 mai, sex-sáb 21h, dom 16h