A História de Portugal é extensa e está cheia de pequenas e grandes histórias que merecem – quase pedem para – ser contadas. Um manancial que o cinema português não tem sabido aproveitar, ora por dificuldades orçamentais ora porque os realizadores, legitimamente, estão mais interessados num outro tipo de narrativas. Só assim se explica que a Primeira Guerra Mundial, na qual a participação portuguesa foi tão marcante quanto devastadora, com um potencial dramático brutal, tenha passado ao lado do nosso cinema. Soldado Milhões, de Jorge Paixão da Costa e de Gonçalo Galvão Teles, vem ajudar a colmatar esta lacuna.
Quando se assinalam os 100 anos da Batalha de La Lys, uma das mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial, a dupla de realizadores recupera a história de Aníbal Augusto Milhais, um soldado raso com honras de herói (recentemente retratado em livro por Francisco Galope). O Soldado Milhões é o caso exemplar da pequena história dentro da grande história. Um homem pobre e analfabeto, jornaleiro de profissão, que durante a terrível guerra, no meio do desespero, cometeu o mais tresloucado ato de heroísmo, abrindo fogo sozinho na primeira linha sobre o Exército inimigo, permitindo que os seus camaradas de batalhão escapassem para a retaguarda. Uma espécie de Rambo pé-descalço.
Portugal participou com cerca de 75 mil soldados na Primeira Guerra Mundial. Na Batalha de La Lys, 15 mil homens do exército português depararam-se com uma ofensiva alemã de 55 mil.
A personagem, observada com a clarividência que o tempo permite, é retratada em duas camadas antagónicas, mostrando que por baixo do herói medalhado, símbolo da glória e da coragem portuguesas, fica um anti-herói destroçado, vítima das circunstâncias, traumatizado com a violência da guerra onde viu muitos companheiros morrer. Ele próprio diz: “As medalhas pesam-me muito.” Aqui não é esquecido que, durante a Primeira Grande Guerra, os portugueses foram carne para canhão, com um exército mal preparado e mal equipado liderado pelos muito mais poderosos militares britânicos.
O filme cumpre o seu papel didático, mas fica aquém sob múltiplos aspetos. Falta credibilidade e densidade às personagens. E até alguma sujidade, não só nas trincheiras, mas na vida e nas falas dos próprios soldados.
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Soldado Milhões > de Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa, com João Arrais, Miguel Borges, Raimundo Cosme, Isac Graça, Tiago Teotónio Pereira, Ivo Canelas > 86 minutos