Todos os elementos cénicos conduzem a um certo despojamento: o cenário feito de pedra, os figurinos sóbrios, a ausência de cor, ou a luz, desenhada para iluminar apenas o essencial – a palavra. Uma opção formal intimamente ligada à leitura que Bruno Bravo faz de Rei Lear, de Shakespeare.
“A época em que a peça se situa é estranha porque, tendo sido escrita no séc. XVII,
é baseada em crónicas medievais sobre a origem de Inglaterra. E foi nessa época pré-cristã/bárbara – nesse tempo muito no início de qualquer coisa – que quisemos situá-lo”, explica o encenador. Lear é, nesse sentido, uma espécie de “primeira figura de poder do Ocidente e da Europa”, que aqui surge no corpo de uma mulher,
a atriz Paula Só.
O grande desafio foi a adaptação do texto. Excluída a hipótese de uma versão integral (que exigiria uma megaprodução para a qual não havia orçamento), os Primeiros Sintomas criaram um espetáculo “iluminado” por uma parte da peça, procurando deixar respirar o essencial: uma reflexão sobre a loucura, os limites do humano, o potencial violento das relações familiares, ou o lugar da verdade no sistema social e político do Homem.
É, de resto, louvável o equilíbrio entre o jogo dramático e a dimensão literária da obra (com tradução de João Paulo Esteves da Silva), conseguido, em grande parte, pela introdução de um coro. Isto é: há uma parte do texto dita pelas personagens, a que se juntam outras passagens lidas por um coro de vozes que está fora de cena. “O ponto de partida foi usar partes do texto que as personagens dizem mas que os outros não podem ouvir”, diz Bruno Bravo. Essas vozes off criam um espaço entre a ação e o pensamento das personagens que permite um verdadeiro mergulho neste longo e assombroso poema de Shakespeare.
Teatro Nacional D. Maria II > Pç. D. Pedro IV, Lisboa > T. 800 213 250 > 16 set-15 out > qua 19h, qui-sáb 21h, dom 16h > €5€ a €17