Ao penetrar na penumbra da sala, há que acomodar os olhos e habituar a audição à convivência entre o ruído de projetor e a banda sonora do trabalho de Amy Tan. E essa adaptação reforça a passagem do visitante à condição de voyeur privilegiado, com acesso a reservas de museus e a espaços fechados ao público. Atentos à disrupção: estatuária clássica e conceitos contemporâneos, escultura tátil e filme imaterial. O gesto arqueológico em segunda mão, ganha, na curadoria de Penelope Curtis, perspetivas, reenquadramentos e até uma dimensão imersiva – sugerida pelo contraste da película com as paisagens dos jardins, filtradas como uma tela difusa.
Cá dentro, vê-se primeiro Inventory, os cinco ecrãs de Amy Tan revezando planos da coleção do Museu John Soane, em Londres: ora fazendo zoom num fragmento de um busto, ora mostrando-o na parede, insinuando narrativas que denunciam o olhar de colecionador. Depois, vem o voyeurismo de Mark Lewis: em Nude, o artista faz-nos contemplar e andar à volta da célebre estátua do Louvre, Hermafrodita Adormecido, numa experiência noturna, sensual e cinematográfica. Rosa Barba adentra-nos nas reservas dos museus italianos, filmando estátuas que, quebradas ou enroladas em película, aguardam, duplamente, o regresso à vida.
A rutura com a contemplação é introduzida com Ultimate Substance, filme bipolar do duo grego-alemão Anja Kirschner & David Panos, que cruza caverna de Platão com sistema monetário, dança, crise europeia, revisão da história. Por fim, somos transportados pelo longo travelling de Monument to Another Man’s Fatherland: Revolt of the Giant: Lonnie van Brummelen & Siebren de Haan, interditados de filmar o friso de Pérgamo (patente em Berlim), reconstituíram a peça com reproduções fotográficas, numa reflexão sobre património e memória. Mas é a beleza, intemporal, destas esculturas que permanece.
Escultura em Filme – The Very Impress of the Object > Museu Calouste Gulbenkian > Av. Berna, 45A, Lisboa > T. 21 782 36 28 > até 2 out, qua-seg 10h-18h