Ubu Roi, de Alfred Jarry, já estava prevista no projeto quadrienal do Teatro do Bairro, mas, quando Donald Trump foi eleito, ganhou um novo fôlego. “Comecei logo a pensar nesta peça”, diz o encenador António Pires. Façamos um breve resumo: Ubu assassina o rei Venceslau da Polónia, usurpa o trono e, a partir dessa situação de poder, exerce o seu reinado de forma despótica e sanguinária, destruindo tudo e todos a seu bel-prazer.
Além dos traços de autoritarismo, que encontramos em muitas outras figuras da política mundial, é o lado “grotesco” da personagem que faz com que a relação com Trump seja tão natural, justifica António Pires. “Não tive nenhuma ‘iluminação’. Aliás, quando comecei a fazer pesquisa, dei-me conta de que muitas companhias têm feito Ubus estabelecendo essa ponte. Algumas foram mais longe, pondo-lhe uma peruca por exemplo”, conta, com uma gargalhada.
No seu Ubu Rei, isso faz parte do subtexto, tal como a relação com Salazar estava implícita quando Alexandre O’Neill e Luís de Lima fizeram a tradução da peça (editada pela Minotauro, em 1962, com o título Mestre Ubu). Foi essa a versão que António Pires escolheu, por verter o texto para um “universo muito português” e pela forma como explora a dimensão “vernacular, pura, quase infantil” do original.
Tudo isso é explorado em cena com muito humor, sendo notável o trabalho de movimento dos 15 atores em palco (Alexandra Rosa, João Barbosa, Mário Sousa, Rafael Fonseca e 11 estudantes da Act School) de aproximação aos gestos do teatro de marionetas, para o qual a peça de Jarry foi inicialmente pensada. A banda sonora é outro contributo importante para a paródia, com Fernando Simões em palco, à boca de cena, a lembrar um cantor de baile popular ou “um artista convidado do programa da tarde da TVI”, nota António Pires, com outra gargalhada: “Quis trabalhar este lado absurdo, meio bruto, adolescente, estúpido, que o texto tem. Não me estava a apetecer um teatro muito composto, cheio de subtilezas e humores, até porque o mundo já não está para isso”, conclui.
Ubu Rei > Museu Arqueológico do Carmo > Lg. do Carmo, Lisboa > T. 21 347 8629/ 91 321 1263 > 3-20 agosto, ter-dom 21h30 > €16