Faz-nos andar às voltas porque nos quer fazer parar para pensar, esse exercício cada vez mais ameaçado pela esquizofrenia das partilhas reativas e do clickbait das redes sociais que nos contamina o quotidiano. As quatro paredes duma estrutura de 2,5 metros por 1,60 e 1,81 da escultura-instalação A Casa da Construção são formadas por pequenos cubos de acrílico transparente que lhes servem de prateleiras. Muitas e muitas prateleiras que, de 2011 até 2017 foram sendo atoladas com telemóveis obsoletos, fios de eletricidade, placas gráficas, placas de som, tubagens várias, centenas de parafusos e anilhas, brinquedos, miniaturas, conjuntos de braços de bonecos, mais fios, mais placas gráficas, mais placas de som… São milhares de objetos-instalação, que nos obrigam ao ato de aproximação para podermos decifrar cada pormenor. A Casa da Construção é inédita e assume-se como o epicentro do conjunto de 12 obras escultóricas da exposição Love vs. Power.
“Estas 12 obras formam um acervo de design raríssimo”, conta o curador Rui Afonso Santos à VISÃO Se7e. “Trata-se de um design de produto conceptual e político, que reivindica o ornamento inteligente e se assume contra o formalismo da produção industrial; recupera o lado artesanal do design.” O coletivo por detrás destas obras é o Infrações, criado em 1987 por Luísa Coder e José Russel, herdeiro do Grupo Fluxus, movimento artístico dos anos 60/70 que rejeitava valores da arte que considerava burgueses, ligados à lógica da galeria e associados à noção de individualismo.
Escritas a marcador podem ler-se no acrílico da estrutura de A Construção da Casa palavras e expressões como “Luxo”, “Ornamento é crime”, “Nervo$o dos mercados”. São uma crítica à ideologia do neoliberalismo, à convenção que traça alta e baixa culturas e à ideia de adereço como distração em vez de património. As 12 obras escultóricas são ainda acompanhadas por filmes, “como videoclips, sincopados, que denunciam a ditadura financeira em que vivemos”, nas palavras de Rui Afonso Santos. Esta é, afinal, uma exposição com banda sonora: ouve-se Stockhausen, John Cage, Velvet Underground, Joy Division, The Doors ou The Clash, umas das bandas favoritas de Luísa Coder e José Russell.
Love vs. Power > Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado > R. Serpa Pinto, 4, Lisboa > T. 21 343 2148 > 1 jun-20 ago > ter-dom 10h-18h