O porteiro está inquieto. Impecavelmente fardado, arrisca acordar a moradora do sexto andar de madrugada para lhe perguntar que número vem a seguir ao seis. Uma dúvida absurda, dir-lhe-á a mulher. Na verdade, serão precisamente seis as cenas a desenrolarem-se diante dos olhos dos espectadores. O mesmo porteiro abre as portas que permitem entrar na intimidade dos habitantes daquilo que parece ser um edifício decrépito, rodeado de um cenário apocalíptico. Serão eles sobreviventes? Serão eles refugiados? Serão eles resistentes? Todos parecem ter reconstruído o seu mundo dentro dos cubículos onde vivem. Sempre à medida das suas profissões ou daquela que é a sua imagem institucional, “como se só os uniformizados se safassem”, explica o encenador João Brites.
Esta mordaz crítica social e política inclui textos das peças Contra o Amor e Contra a Democracia, do catalão Esteve Soler. O título encerra a primeira provocação: Ser ou não ser do contra, eis a questão. Ser contra o que se institucionalizou ser o progresso. Ser contra o que se institucionalizou ser o amor. Ser contra o que se institucionalizou ser a democracia.
Há mulheres que se escaqueiram no chão como um qualquer vaso mal tratado, jovens que só conseguem sentir alguma coisa com a ajuda de pílulas miraculosas (“eu compro coca-cola porque tem uma dose extra de amor que as outras marcas não têm”) e, até, pais que anunciam ao filho que ele foi um aborto falhado.
João Brites chama-lhe uma “comédia dramática”. Negra, acrescentamos nós. Neste jogo de absurdos o espectador confronta-se com questões que se relacionam com o real. E com as ficções que escolhemos ou não viver. “Às vezes estamos tão ocupados com ninharias que não vemos o mais perturbador”, alerta o encenador. Às vezes – a maior parte delas – não há nada mais absurdo do que a realidade.
Esta parceria entre o Teatro O Bando e o coletivo brasileiro Teatro do Instante revela-se, em palco, através do elenco, composto por seis atores do Brasil e quatro de Portugal (mas todos falam com sotaque brasileiro).
Do Contra > Teatro O Bando > Vale dos Barris, Palmela > T. 21 233 6850 > 1-11 dez, qui-sáb 21h, dom 17h > €8 a €12