Maria João Pinto Coelho lembra-se de estar sentada com o pai, era ela miúda, a fazer as cortinas de vidrinhos que decoram o Procópio, o histórico bar que há 50 anos – abriu a 5 de maio de 1972 – ajuda a contar a história de Lisboa. O pai, já se sabe, era Luís Pinto Coelho, colecionador e negociante de antiguidades com “jeito de mãos”, “bem-disposto”. Com a mulher, Alice Pinto Coelho, imaginou um bar junto ao Jardim das Amoreiras e decorou-o de uma maneira original, com antiguidades e bricabraque, espelhos e veludos. Seguiram-se A Paródia, o Foxtrot e o Pavilhão Chinês. Antes, nos anos 60, já tinha arriscado no bar-boutique A Outra Face da Lua, na Rua Rosa Araújo. Maria João conta que “era um bar fabuloso, todo em arte pop”. “Se fosse hoje, seria um local fundamental da noite em Lisboa”, afirma.
Numa Lisboa que era um deserto, lembra Maria João, o Procópio encheu-se de clientela. Já a mãe, num livro publicado por ocasião dos 35 anos do Procópio, escreve que “de bar da moda, só com amigos, nos tempos anteriores ao 25 de Abril, passou a bar da revolução, tornando-se ponto de encontro de políticos, jornalistas e artistas.”
Os anos 80 e 90 não seriam fáceis. Abriram os bares do Bairro Alto, depois os da 24 de Julho, a cidade ganhava outro ritmo, a clientela dispersava. “Decaiu bastante”, reconhece Maria João. Há dois anos, nova crise. Grave, admite a filha mais velha de Alice Pinto Coelho que, com a irmã Sofia, a mãe e o filho Martim, está aos comandos do negócio. Foi preciso reinventar, começar a servir refeições ligeiras.
A renovada carta de cocktails é uma das novidades de um Procópio a olhar para o futuro e que hoje se enche de estrangeiros, sugestionados pelos guias, e de uma nova geração que o descobriu. Aos clássicos juntam-se criações de José Barros, chefe do bar, como o Mary Jane, à base de maracujá, acompanhado por umas deliciosas pipocas. Em Lisboa – Livro de Bordo, José Cardoso Pires descrevia assim o Procópio: “Cadeiras de veludo, reflexos de art déco, relógio cavalinho e candeeiros de Guimard, num arranjo de burguesia particular.” Quem entrar aqui fica encantado e não há maneira de não abrir muito os olhos.
Mudar e ficar na mesma
Também o Pavilhão Chinês foi, durante muitos anos, palco de animadas tertúlias, regadas a whisky e a fumo de charuto e cigarrilhas. Quem nos recebe é António Pinho, 68 anos, o gerente, que aqui se mantém desde o dia 18 de fevereiro de 1986, data em que o bar abriu no Príncipe Real, no lugar de uma antiga mercearia.

Sentado ao balcão, vai recordando alguns serões que, muitas vezes, começavam com um jantar num restaurante da zona e depois se prolongavam nestas mesas. “Tínhamos sempre casa cheia.” Hoje, a clientela já não é a mesma, reconhece, mas António Pinho continua a receber, com a mesma simpatia, não só a meia dúzia de resistentes da altura, mas também caras novas que procuram esta casa pela sua história e fama.
Ao longo das suas cinco salas (com 220 lugares sentados) estão expostas peças oriundas de vários cantos do mundo, reunidas pelo decorador Luís Pinto Coelho. Aviões, soldados em miniatura, chapéus militares e capacetes da Segunda Guerra Mundial coabitam com quadros, comboios, cartazes, peças em cerâmica de Bordallo Pinheiro e brinquedos que resistiram à passagem destes 36 anos.

Para entrar no Pavilhão Chinês, é preciso tocar à campainha e aguardar que o empregado, vestido de camisa branca, colete e lacinho – azul, durante a semana, vermelho, ao fim de semana –, abra a porta e nos leve à mesa (pode reservar, com antecedência). Hoje, os frequentadores já não pedem whisky, na maior parte das vezes preferem um cocktail (na carta, contam-se cerca de 100 sugestões), gin, vodka ou tequila. Há quem ainda aqui venha apenas pelo prazer de beber um copo, servido com mestria, e se aventure numa partida nas (concorridas) mesas de bilhar.
Por estranho que possa parecer, há um sítio no Príncipe Real que ainda não foi tomado pelos turistas. É uma espécie de segredo bem guardado, com o bónus de ter um dos melhores bifes-fora-de-horas da capital. Basta descer uns 30 metros da Rua do Século, pelo passeio do lado esquerdo, e tocar à porta encimada por um toldo verde.

O bar Snob, hoje com a classificação de Loja com História, abriu em 1964, numa altura em que o Bairro Alto era a capital dos jornais. O Século tinha as suas instalações uns metros à frente, num palacete, e, por esse motivo, o bar aberto por Paulo Guilherme d’Eça Leal, redator daquele diário, rapidamente se tornou muito frequentado por jornalistas, e conhecido durante décadas (também) por isso.
Paulo Guilherme era um homem dado às artes – foi cenógrafo, ilustrador, pintor e realizador, além de escritor – e aproveitou as prateleiras originais da velha loja de latoaria para, colocando-lhes portas de vidro e madeira, criar elegantes armários que se mantêm, na primeira sala, iguais ao que eram há 58 anos, hoje guardando garrafas e livros.
Com mesas de madeira, cobertas por panos verdes de jogo e candeeiros de luz baixa, o Snob tem um ambiente intimista e aconchegante. Aqui, à meia-luz, trocam-se ternuras a dois, nas mesas pequenas, ou contam-se segredos aos amigos, nas mesas dos cantos, que sentam, em redondo, cinco ou seis pessoas. De preferência, à frente do menu Snob: um delicioso bife de 120 g, com molho de natas e batatas fritas aos palitos grossos, como não há outras, pão torrado, manteiga e uma bebida, tudo por €13,50. A ementa tem muito por onde escolher, como bacalhau à Braz e pataniscas de bacalhau com arroz de feijão, saídos da pequena cozinha envidraçada, instalada na segunda sala. Atualmente, cabe ao dono, sr. Albino Oliveira, comandar o fogão, deixando para a filha a tarefa de abrir a porta.

O Snob continua a ser um segredo bem guardado – mas cheio de gente nova. Se hoje são raros os grupos de jornalistas, agora quem ocupa as mesas, muitas vezes de cigarro na mão (aqui pode-se fumar), são jovens adultos que descobriram esta pérola de Lisboa.
Com o nome desenhado na pedra da calçada e anunciado em lettering dos anos 20 por cima da porta, o Foxtrot está na Travessa de Santa Teresa há 44 anos, com a sua decoração art déco dividida por quatro salas à meia-luz, uma com mesa de snooker. “Está exatamente no mesmo sítio desde que o bar abriu”, garante Joaquim Gonçalves, o proprietário desde 2007 (mas que trabalha aqui há 34 anos).

É ele quem abre a porta, pelas 18 horas – abre é como quem diz, põe o cinzeiro à porta, pois para entrar no número 28 é preciso tocar à campainha e dali para dentro não se pode fumar. Nem mesmo na esplanada nas traseiras. Nada que afaste os clientes. “A maioria continua a ser de origem portuguesa, dos 8 aos 80 anos, que vem todas as semanas, todos os meses, todo o ano. Mas o que está a valer ao bar”, admite sr. Joaquim, “são os estrangeiros, devido ao poder de compra.”

Se, há trinta anos, servia-se whisky e pouco mais, hoje o Foxtrot funciona muito à base de cocktails. Na ementa, disponível em papel e num QR Code que permite ainda pagar a conta, existem 60 opções que levam nomes como Cais das Colunas, Elétrico 28, Avenida da Liberdade, Praça das Flores… O Foxtrot, feito com vodka e sumos de fruta, chega num copo especial, em forma de ananás, para beber com palhinha biodegradável. Todos acompanham com uma tacinha de pipocas, outra de amendoins e outra, ainda, de um snack salgado, cortesia da casa.
Fora de horas, servem bife à Foxtrot, prego, hambúrgueres, tostas, cachorros… Se a decoração e o ambiente do bar são motivo de orgulho para o sr. Joaquim, ele também não poupa elogios à equipa de nove pessoas (todos jovens) que assegura o serviço ao balcão, na cozinha e às 40 mesas.
Do movimentado Príncipe Real seguimos até ao bem mais sossegado bairro de Alvalade. É lá que fica o Grog e, mal se entra dentro deste sandwich bar, sentimo-nos numa rua londrina, em meados da década de 70. Do balcão, saem tostas, feitas em pão alentejano e de tamanho generoso, que ao longo de 48 anos deram fama à casa, confirma o proprietário Vasco Jerónimo.

A decoração mantém-se: paredes pretas e brancas, sofás forrados a veludo vermelho. Aberto em janeiro de 1974, o Grog transformou-se rapidamente num lugar de tertúlias e reuniões, frequentado por figuras ligadas às artes, sobretudo pintores que tinham os seus ateliês no vizinho Palácio dos Coruchéus (hoje biblioteca municipal). Mas também por muitos vizinhos, que ainda hoje fazem deste bar o seu café de bairro. Na ementa, além das tostas, há hambúrgueres, cachorros, pregos e tapas que se podem acompanhar com uma cerveja, os batidos de fruta igualmente célebres, ou um cocktail.
É também por estas ruas que fica o Old Vic, fundado por Frederico Azinhais, em 1982, e inspirado nos pubs londrinos. Antes de abrir portas, o bar esteve mais de 10 anos a ser idealizado. “Tudo foi feito ao pormenor, as madeiras vieram de Inglaterra, incluindo o bar, desmontado em contentores”, conta Paulo Magalhães, 63 anos, que gere esta casa com a ajuda do filho, Marcelo.

Para acompanhar a conversa, e avivar a memória desses tempos, o proprietário, um verdadeiro relações públicas à antiga, prepara um dos clássicos da carta, o Old Vic, um long drink com gin, Pisang Ambon, natas e sumos de laranja, limão e ananás. “Aprendi a fazer cocktails quando trabalhei nos cruzeiros, nos Estados Unidos da América, era uma loucura. Hoje parece banal, mas antigamente, por cá, o Bloody Mary e a Mimosa, entre outros, eram novidade.”
Aos clássicos, Paulo Magalhães juntou outras criações (no total, são mais de 50). Mas nem só de bebida se alimentam os noctívagos. Para saciar o apetite, há bife, prego do lombo, e, por encomenda, bacalhau à Zé do Pipo, que se serve igualmente na esplanada, com cerca de 30 lugares. Aos filhos e netos de antigos habitués, juntam-se jovens, a jogar snooker, e grupos de amigas que encontram nesta casa segurança, privacidade e menos confusão, nota Paulo Magalhães. E também um ambiente propício à boa conversa, acrescentamos nós.

Noites passadas
Foxtrot Tv. Santa Teresa, 28 > T. 21 395 2697 > seg-sáb 18h-2h
Grog Pç. de Alvalade, 3C > T. 21 400 3035 > seg-qui 17h-1h, sex-sáb 18h-2h
Old Vic Tv. Henrique Cardoso, 41 > T. 91 407 6170 / 21 198 2221 > seg-sáb 18h-2h
Pavilhão Chinês R. D. Pedro V, 89 > T. 21 342 4729 > seg-sáb 18h-2h, dom 21h-2h
Procópio Alto de S. Francisco, 21 A (à Rua João Penha) > T. 21 385 2851 > seg-sex 19h-2h, sáb 20h-2h
Snob R. de O Século 178 > T. 21 346 3723 > seg-sáb 19h-2h