A poucos metros de praia fluvial de Açude Pinto, que na verdade mais parece uma piscina, com margens relvadas, esplanada, parque infantil e de merendas, o Camping de Oleiros é a imagem de um campismo perfeito. Pela localização, mas também pela sua (pequena) dimensão, pelo solo relvado, pela oferta de alojamento – na qual se destacam as casas Hobbit, em madeira –, por permitir animais de estimação e igualmente pela simpatia da responsável, Nelma Antunes, 39 anos, e da sua equipa, sempre disponíveis para ajudar a revelar a quem aqui chega esta ainda tão, injustamente, desconhecida região. “Há muito para ver e fazer aqui, mas é preciso algum tempo e paciência”, diz com humor, enquanto abre o Google Maps, para nos mostrar alguns dos pontos “obrigatórios” do concelho de Oleiros.
Um deles tem início ali bem perto, no Açude Pinto, sob a forma do percurso pedestre À Descoberta da Ribeira de Oleiros, um afluente do Zêzere, cujo nome muda para ribeira da Sertã no concelho vizinho, embora isso seja algo que por aqui não pode nem deve ser mencionado.
Ao longo de pouco mais de dez quilómetros, sob a sombra de amieiros, choupos e salgueiros, percorre os sete açudes de Oleiros, onde, com um pouco de sorte, se podem avistar lontras, ginetas e esquilos. Por esta altura do ano, também com um pouco de sorte, talvez ainda se imponha um mergulho no Açude da Lameira, “o mais lindo do mundo”, diz Carla Rijo, uma professora de inglês de 43 anos, que aqui aprendeu a nadar.
Os açudes, tal como todo o percurso, a praia fluvial e o próprio parque de campismo foram poupados aos dois grandes incêndios deste ano – um deles, que começou em Proença-a-Nova e alastrou-se aos concelhos vizinhos de Oleiros e de Castelo Branco, foi mesmo o maior deste verão. “Infelizmente, os incêndios fazem parte da nossa realidade e este ano não foi exceção, mas isso não deve ser razão para não nos visitarem. Aliás, é agora que mais precisamos que o façam. Até porque as grandes atrações do concelho permanecem intactas, tal como a nossa simpatia e hospitalidade”, sublinha Carla, que é também proprietária do alojamento local Casa do Zé da Nora. Apesar dos fogos, sente que o concelho até tem recebido muitos visitantes este ano, “talvez devido à pandemia e à vontade das pessoas de se refugiarem em locais mais isolados” – tal como acontece por aqui.
Voltando ao terreno, pouco depois da Ponte Grande tem início a Rota do Cabrito, mais afastada da vila e que dá acesso a mais quatro açudes. Trata-se de uma pequena rota circular, com o regresso a fazer-se pela margem oposta, por vezes mais afastados da água, mas com algumas vistas panorâmicas sobre a ribeira, que corre durante todo o ano e é, por isso, um viveiro natural de trutas, barbos e bogas.
A aldeia do xisto branco
Em comparação com a ribeira de Oleiros, o rio Zêzere, que surge em frente à “mui nobre villa de Álvaro”, mais parece um oceano, devido à influência da albufeira da barragem do Cabril. A aldeia do xisto de Álvaro, que na verdade é uma vila outrora pertencente à Ordem de Malta, na qual passava um primitivo Caminho de Santiago, fica encavalitada numa escarpa sobranceira ao rio e a vista panorâmica sobre o espelho de água vale por si só uma visita à pequena localidade, também conhecida pelo seu património religioso, no qual se destacam mais de 20 capelas e igrejas. Aos interessados, aconselha-se que comecem a visita pela Loja Aldeias do Xisto de Álvaro, na qual podem ser informados sobre o roteiro religioso da vila.
Um dos pontos mais interessantes deste roteiro é a Igreja da Misericórdia. Construída no século XVI, foi-lhe posteriormente acrescentada uma ala lateral, em finais do século XVII, por ordem do capitão de cavalaria José Rodrigues Freire, “em cumprimento de uma promessa, por ter sobrevivido às batalhas em que participou, algures em França”, como explica Raquel Freire, a responsável pela Loja Aldeias do Xisto da vila, antes de nos revelar o esqueleto do capitão, sepultado ali mesmo, debaixo de um alçapão de madeira, “conforme foi seu desejo”. Quando o tempo está quente, é a praia fluvial que a maior parte dos visitantes procura. Mesmo assim, e à exceção dos fins de semana, quando os filhos da terra espalhados pelo País regressam à região, a praia chega e sobra para todos. Além das margens do rio, dispõe de uma piscina flutuante, dividida em duas partes, uma para adultos e outra para crianças. Conta ainda com parque infantil, zona de merendas, bar de apoio e quem tiver um barco ou um caiaque pode sempre partir à descoberta dos braços de rio que se formam no leito de ribeiras, como a de Alvelos, onde, sem ninguém à volta, se impõe um mergulho.
À descoberta dos Apalaches
Seguindo o roteiro aconselhado por Nelma, aproximamo-nos agora do impressionante miradouro do Zebro, no coração da serra do Muradal, para aí observar os outrora fundos marinhos que hoje formam os cumes destas serranias. Parte da mancha verde desapareceu, devido ao último incêndio, mas a floresta sobrevivente sublinha a resiliência da Natureza que, mais tarde ou mais cedo, vai renascer, “como sempre acontece” – a frase é recorrentemente repetida por aqui, quando o fogo é tema de conversa. Com mais ou menos árvores, este cabeço é um dos pontos altos (literalmente) da Grande Rota Muradal Pangeia, um exigente percurso de 38 km integrado na rede International Appalachian Trail, que agrega trilhos de todo o mundo nas exatas zonas em que as placas continentais colidiram durante as eras Paleozoica e Mesozoica, formando o supercontinente Pangeia, do qual resultaram as montanhas Apalaches, nos EUA, as montanhas Caledonian da Europa Ocidental, a Cordilheira do Atlas de Marrocos e o Maciço Ibérico, do qual esta serra faz parte.
Apalaches é também o nome, neste caso antecedido de Adega, de outro monumento do concelho de Oleiros, este gastronómico, onde se pode provar o estaladiço cabrito estonado, confecionado no forno a lenha, como manda a tradição. Ao fim de semana, ao jantar, há um rodízio de petiscos, uma autêntica procissão de pecados da gula que vai passando pela mesa, sempre ao compasso do acordeão de um dos empregados, que ao fim da noite costuma animar os comensais com algumas modas da região.
No extremo norte do concelho, a Georrota do Orvalho – este ano poupada pelos incêndios – é outro tesouro para descobrir com tempo e vagar. Afinal, locais como as margens da ribeira de Água d’Alta são já bastante raros, por ainda aí subsistirem algumas amostras frondosas da primitiva vegetação Laurissilva que cobria estas serranias no período anterior às glaciações. O ponto alto do percurso é a imponente cascata da Fraga da Água d’Alta, classificada pela Unesco como Geomonumento, onde recentemente foram construídos uns passadiços em madeira, com miradouro, que depressa se tornaram um dos principais atrativos desta região. Tal como o outro troço de passadiço deste percurso, que faz a ligação até ao topo do Cabeço Mosqueiro, igualmente classificado como Geomonumento, de onde, nos dias limpos, a mais de 600 metros de altitude, se consegue avistar as três grandes serras da Região Centro – Açor, Estrela e Lousã –, quase como se o concelho de Oleiros fosse o centro deste imenso mundo.
GUIA DE VIAGEM
DORMIR
Camping Oleiros
Açude Pinto, Oleiros > T. 92 686 0112 / 272 681 106 > bungalows a partir de €41
Hotel Santa Margarida
Hotel de 4 estrelas, com 23 quartos e restaurante, aberto a não hóspedes. Torna, Oleiros > T. 272 680 010 > a partir de €60
Refúgios do Pinhal
Turismo rural, com dez quartos, a 1 km do centro de Oleiros. Tojeira de Baixo, Oleiros > T. 92 433 0620 / 96 232 7870 > a partir de €80
Casa do Zé da Nora
Alojamento local, para um máximo de quatro pessoas. R. Padre António de Andrade, 71, Oleiros > T. 96 307 3066 > €59
Vilar dos Condes
Turismo rural com cinco casas de xisto. Vilar Cimeiro, Madeirã, Oleiros > T. 96 863 2907 / 272 664 265 > a partir €50
COMER
Adega dos Apalaches
Cozinha baseada nos assados no forno a lenha, com destaque para o cabrito estonado. R. Sra. das Neves, Roqueiro, Oleiros > T. 93 402 8365 > qui 12h-15h, sex-sáb 12h-22h30, dom 12h-15h > aconselha-se reserva
Callum
Hotel Santa Margarida > Torna, Oleiros > T. 272 680 010 > seg-dom 12h-15h, 19h30-22h
Pérola do Orvalho
Lg. Costa, Orvalho, Oleiros > T. 272 746 119 > seg-dom 9-22h
COMPRAR
Loja Aldeias do Xisto de Álvaro
Lg. da Misericórdia, Álvaro, Oleiros > T. 272 674 267 > seg-ter, qui-dom 9h-17h
Casa do Queijo Oleirense
R. Dr. José de Carvalho, Oleiros > T. 272 682 039 > seg-sáb 7h-19h, dom 9h-18h
CAMINHAR
À Descoberta da Ribeira de Oleiros
Percurso linear com início em Açude Pinto e fim na Ponte de Torna > extensão 2,5 km > dificuldade baixa > duração 1 hora
Trilho do Cabrito
Percurso circular com início e fim no Posto de Turismo de Oleiros > extensão 7,7 km > dificuldade baixa duração 2 horas
Georrota do Orvalho
Percurso linear com início em Orvalho e fim no Miradouro do Mosqueiro > extensão 9 km > dificuldade alta > duração 3h30
Grande Rota do Muradal Pangeia – Trilho dos Apalaches
Percurso linear entre Estreito e Orvalho > extensão 37 km > dificuldade alta > duração 10 horas