Passam poucos minutos das dez da manhã quando entramos na Estação de S. Bento, no Porto. Todos os olhares seguem em direção ao comboio azul que, entre 1910 e 1970, transportou chefes de Estado, a Rainha Isabel II de Inglaterra e, entre outros, o papa Paulo VI. Os passageiros que aguardam por outras viagens, tiram fotos às carruagens – principalmente às três dedicadas ao serviço de restaurante, onde as mesas estão dispostas (copos incluídos) – e deslumbram-se com o comboio que é património histórico e só sai do Museu Nacional Ferroviário, no Entroncamento, para esta série de viagens de luxo ao Douro, com cozinha a bordo de chefes com Estrela Michelin, que acontecem até ao dia 14. E atenção que ainda existem lugares disponíveis para os próximos dias (€500/viagem). Em setembro e outubro, aproveitando a época das vindimas, o Comboio Presidencial deverá voltar aos carris para mais 20 viagens (com outros chefes de Estrela Michelin a bordo).
Mas é ainda na plataforma que recebemos a má notícia: o chefe dinamarquês Esben Holmboe Bang, do restaurante Maaemo, na Noruega, três Estrelas Michelin, partira a perna e não estará, como previsto, a cozinhar até domingo, 7. A bordo está, contudo, uma equipa de três pessoas vindas da cozinha do Maaemo, em Oslo, nomeadamente o sub-chefe Halaigh Whelan-McManus, 28 anos. Na próxima semana, seguir-se-á a cozinha de dois chefes com Estrela Michelin portugueses: Pedro Lemos (10 e 11 mai) e João Rodrigues, do restaurante Feitoria (12 e 15 mai).
Esta primeira viagem é praticamente destinada a jornalistas, membros do Governo, autarcas, responsáveis pelo turismo. “Só há dois passageiros-clientes a bordo”, avisa Gonçalo Castel-Branco, o mentor desta experiência de turismo ferroviário de luxo em Portugal. E deixa um aviso importante: “Não se encostem às portas, elas abrem para fora.” Feito o check-in, entremos. Tal como noutros tempos, os jornalistas instalam-se na carruagem oposta à dos chefes de Estado, mas depressa as distâncias se esbatem. Afinal, a liberdade (felizmente) é outra. Já com o comboio em andamento, seguimos para as carruagens-restaurante. Da janela, ainda não se avista o Douro, mas pouco há de faltar.
A música ambiente foi selecionada pela Casa da Música – à tarde, ouviremos um pianista a tocar ao vivo na carruagem-bar e guitarra portuguesa –, nos corredores há livros de arte cedidos por Serralves, o ar tem aromas da Castelbel. É a “portugalidade” apregoada por Gonçalo Castel-Branco, que continuará nos rebuçados da Régua oferecidos quando o comboio parar na estação ou nos charutos da Casa Havaneza que aguardam os apreciadores na varanda sobre o Douro, na Quinta do Vesúvio.
O almoço com (muitas) flores
À mesa, aguarda-se, com expectativa, o menu escandinavo idealizado desde a Noruega. O chefe Esben Bang nunca veio a Portugal (e ainda não foi desta), tal como o jovem sub-chefe Halaigh Whelan-McManus que o substituiu. O que se sabe é que a cozinha do Maaemo aposta nos produtos biológicos, da natureza, da terra. Halaigh dir-nos-á mais tarde, no pico do calor no interior da carruagem-cozinha, que privilegiam “o terroir norueguês”, os produtos associados à natureza e que “estão na memória de criança”. E dá um exemplo: “Na Noruega, os morangos são raros, só os temos durante duas semanas. Temos que os aproveitar bem”, conta o chefe, nada habituado aos quase 30 graus do primeiro dia de viagem, numa cozinha em que tem de manter o equilíbrio, devido aos solavancos da carruagem. É a primeira vez que cozinha num comboio, mas está “a adorar o desafio” e a visita a Portugal. No Porto, contam-nos, já provou francesinha e as sandes de pernil da Casa Guedes.
O almoço começa com um “amuse bouche” improvável: pickles de cebola com ruibarbo e akvavit (um destilado de origem escandinava), já com o copo cheio de Rosé Vallado Touriga Nacional 2016. O ruibarbo será, aliás, só umas das plantas deste almoço. Seguem-se espargos com Flor do Sabugueiro, onde entram ervilhas e cebolinho com flores comestíveis, cavala com maçã e alho selvagem e (o prato menos apreciado pelos convivas) pombo com cogumelos selvagens. Tudo harmonizado com Quinta do Vallado Reserva 2015 e Vertente 2012 da Niepoort, respetivamente. Na cozinha, afinam-se os preparativos para a sobremesa: coulis de morangos, creme de pasteleiro e pétalas de rosa trituradas com sumo de limão. O chefe executivo, Victor Areias, conta-nos que o carvão para defumar o leite-creme da sobremesa foi “o pedido mais estranho” que recebeu da equipa norueguesa.
Lá fora, o Douro já espreita há muito e, na falta de ar condicionado deste comboio antigo, até sabe bem o ar (quente) que entra pelas janelas. Atravessadas as estações de Tormes, Régua e Pinhão, de passarmos pelo outrora intransponível Cachão da Valeira, vamos em direção ao Vesúvio, onde o comboio há de parar durante uma hora, para uma visita à quinta que Dona Antónia decidiu chamar Vesúvio depois de avistar o Monte Vesúvio durante a lua-de-mel em Nápoles, Itália.
São quase 17 horas e a canícula continua. E que bem se está à sombra do jardim da quinta, pertencente ao grupo Sygmington… Os dois passageiros/clientes desta viagem, José Santos e Cláudia Jorge, a trabalharem em Luanda, Angola, apreciam a paisagem e dizem-nos estar a gostar da viagem. Depois de não terem conseguido reservar no ano passado, não perderam a hipótese de a incluir durante esta curta estadia em Portugal. Conhecem o Douro de barco, de carro, mas ainda não tinham vindo de comboio. Só lamentam “a falta de pão e azeite à mesa do almoço”.
Seguimos viagem rumo ao Porto para, de novo, nos encontrarmos com o Douro à janela. No regresso haverá fumados da duriense Qualifer, cabeça de xara do Alentejo com pão da Gleba e mais vinho: o moscatel Dócil da Niepoort e o Grahams Tawny 30 anos. O que faltou em comida, aliás – manifestamente pouca para nove horas de viagem – ganhou na seleção de vinhos. E no cuidado extremo de todos os funcionários que, com muita perícia, conseguiram servir os convivas ultrapassando os solavancos do comboio. E, até à chegada à Estação de S. Bento, perto das dez da noite, garantimos, nenhum copo ou prato se partiu.
The Presidential Train > Estação de S. Bento, Porto (partida 11h; chegada prevista 20h30) > T. 91 572 5300 > 3-7 mai: equipa do chefe Esben Holmboe Bang > 10-11 mai: chefe Pedro Lemos > 12-14 mai: chefe João Rodrigues > €500