A primeira pessoa usada nestes oito contos reunidos induz à familiaridade, ao jogo de espelhos entre quem escreve e quem é escrito – estratégias que disfarçam quebras narrativas ou falhas de inspiração. Murakami deixa sempre o leitor na posição algo sedutora do voyeur: lemos sobre estes narradores masculinos com gosto por jazz e basebol, que acedem aos encontros fortuitos e aos eventos da ordem do fantástico, e vemos que são demasiado parecidos com o seu criador.
A dada página, viaja-se ao ano de 1968, à boleia de um hit dos Folk Crusaders, para logo mergulharmos na magna questão das equipas preferidas da Liga Principal de basebol, nas memórias do lançamento verídico do primeiro romance de Haruki e do funeral do seu pai, em que este faz uma noitada com os primos a beber cerveja.
Primeira Pessoa do Singular (Casa das Letras, 176 págs., €18,90) assemelha-se mais a um estranho diário fora de horas do que a ficções, uma ambiguidade literária que o japonês cultiva cada vez mais. “Tinha a impressão de que o real e o irreal haviam trocado arbitrariamente de posição”, diz a personagem do conto Confissões de um macaco de Shinagawa, após um serão em conversa com um gibão falante, vestido com uma sweater a dizer I love NY e que, confessa, “abiscoita-se” com os nomes das mulheres que o atraíram. Sentimos o mesmo.