Não é segredo para ninguém: Álvaro Magalhães era amigo de Manuel António Pina. Mais: pertencia àquele grupo restrito que todos os dias, ou todas as noites, se sentava alegremente à espera da sua chegada, sempre adiada por um imprevisto qualquer, depois relatado (ou inventado) com os recursos que só os bons contadores de histórias possuem. Além disso, partilhavam gostos e escolhas literárias, da dedicação a uma outra literatura para a infância à paixão pelo futebol (embora não torcendo pelo mesmo clube).
Mas essa proximidade não se revelou um obstáculo à escrita da biografia do jornalista (sempre no Jornal de Notícias), do cronista (de leitores fiéis) e do poeta (distinguido com o Prémio Camões, entre muitos outros). Pelo contrário, é justamente nessa intimidade partilhada, nesse conhecimento aprofundado da pessoa e da obra, que Para quê Tudo Isto? se afirma como um estimulante trabalho biográfico.
Dividindo a biografia em seis partes, que correspondem, grosso modo, a outras tantas décadas de vida, Álvaro Magalhães desfia o novelo da vida de Manuel António Pina para lhe fixar os aspetos não só nucleares como permanentes de todo o seu trajeto. A força da infância, onde a quimera se ligou à descoberta das palavras; a vontade de criar raízes num lugar depois de várias andanças familiares, o que veio a acontecer no Porto; o jornalista de prosa limpa e sedutora; o poeta de um livro único, sempre renovado; e o homem de paixões, que se atirava de corpo inteiro e mente aberta a qualquer assunto ou vício.
Tudo isto é oferecido ao leitor com a clareza e o engenho a que Álvaro Magalhães nos habituou nos seus livros. Conta-nos muitas histórias e episódios, mas dá-nos sobretudo a imagem de uma figura, mais do que singular, irrepetível, que em tudo punha graça, no viver (das doenças, por exemplo, ou do jogo) e no contar. E também o retrato (que muitas vezes se aproxima do informado ensaio literário) de um poeta e prosador que trabalhava em cima da ideia de um certo esgotamento do dizer, o que obrigava à convocação de outros saberes (incluindo os orientais ou os da infância) e a uma entrega total, literária e humana.