Afonso Cruz estava no Kuwait, num passeio pelo centro da cidade com uma escritora muito popular no mundo árabe. Ela fora casada, tivera dois filhos, tudo num contexto demasiado conservador. Mas, de repente, algo mudou. Intrigado, o escritor português perguntou o que aconteceu. Estava curioso porque, ao contrário da sua companhia, várias mulheres apresentavam-se naquelas ruas cobertas da cabeça aos pés. A resposta foi clara: de um livro passou a outro, depois a mais um, e assim sucessivamente. “Comecei a ler e libertei-me”, garantiu-lhe.

O Vício dos Livros, o mais recente título de Afonso Cruz, faz-se da simplicidade de histórias como esta. Simples, mas transformadoras. A leitura, essa atividade aparentemente solitária e inofensiva, é o ponto de partida para incontáveis metamorfoses, um pouco por todo o mundo. E se é certo que, por vezes, também é motivo de fanatismo, a reação dos leitores apaixonados será sempre mais forte.
O autor de A Boneca de Kokoschka e Para Onde Vão os Guarda-Chuvas leva-nos a esta conclusão, embora não a exponha diretamente. Está nas entrelinhas dos muitos episódios que nos conta, alguns pessoais, que testemunhou ou viveu na primeira pessoa, outros míticos, que atravessam séculos e culturas.
Em pequenos textos, que são também delicadas peças de vida, Afonso Cruz confirma que, após a leitura, o passatempo preferido de um leitor é contar histórias, lendas e anedotas sobre livros. Aqui, encontramos muitas, desde as que remontam à Antiguidade, como o mote da biblioteca do faraó Ramsés II (“Casa para terapia da alma”), à obra que o avô do escritor escolheu para lhe mostrar o que passou quando foi preso e torturado no Estado Novo. Este vício de Afonso Cruz nasce de uma certeza: depois de ler um livro, não voltamos a ser os mesmos.