Duma banda como os Sleaford Mods – mas será que podemos chamar “banda” a dois tipos que, em palco, se limitam a disparar as suas frases para o micro, a bambolear-se e a carregar no “play” num simples computador portátil? – não esperamos grandes mudanças a cada novo disco. Enquanto a fórmula mantém frescura, enquanto soam genuínos, não se lhes exige mais. E a verdade é que a receita ainda funciona na perfeição.

A voz continua a parecer saída duma personagem que encaixaria tão bem nas cenas mais tóxicas de Trainspotting como nos meandros dos serviços sociais filmados por Ken Loach. As letras conseguem misturar raiva e ironia, desespero e lucidez, crónicas urbanas e, sim, poesia underground. A parte musical, sobretudo graças às linhas de baixo fortes, é viciante e serve, quase sempre numa cadência tão repetitiva como irrequieta, de tapete perfeito para as palavras. Sleaford Mods não soa ao velho hip-hop comprometido, mas na sua prática (e ética) anda lá muito perto. Esta é música de combate, made in England, para o século XXI.
Gravado em três semanas de julho de 2020, Spare Ribs reflete já todas as particularidades da crise pandémica. O título – à letra, algo como “costelas sobressalentes” – sublinha uma leitura muito desencantada do mundo em que vivemos, como se fôssemos peças descartáveis e sempre disponíveis, parte dum sistema capitalista global em que não se pode confiar, sabendo que “o corpo humano pode sobreviver sem um conjunto completo de costelas”. Mas talvez seja nos versos de Top Room que todos nos revemos melhor, irmãos globais nesta alienação forçada causada por um vírus: “Online food and distancing, I felt like shit (…) I think I want something to come out of my phone that ain’t there.” Um ano depois, a pandemia vai tendo as suas bandas sonoras originais.
Ouça aqui o tema Nudge It Ft. Amy Taylor