Em entrevista à VISÃO, a meias com Capicua, publicada há um ano, Miguel Araújo dizia-nos: “Acho que quem adere em massa à minha música são pessoas que não são grandes fãs de música em geral. Quando eu era miúdo, eram aqueles que tinham em casa discos do tipo Pavarotti & Friends.” Com um toque de humor autodepreciativo, o músico (e também cronista da VISÃO) dava a entender que as suas canções estão ancoradas numa espécie de classicismo pop intemporal; cantigas que contam histórias de forma eficaz e não particularmente exigente para ouvidos menos dados a experiências musicais transgressoras e desafiantes.
A verdade é que, disco a disco, Miguel Araújo vai conseguindo atingir esse objetivo tão óbvio e difícil nos dias que correm: afirmar uma voz, uma identidade só sua. Pode fazer lembrar a dupla Rui Veloso/Carlos Tê, alguns escritores de canções da MPB ou um espetro que vai de Carlos Paião a Jorge Palma. É, cada vez mais, Miguel Araújo, autor de música popular.
Este Peixe Azul é uma boa prova disso. Disco caseiro (foi gravado no estúdio montado em sua casa, a dois passos da Avenida da Boavista, com toda a independência), foge à armadilha de ser “só” um disco gravado no conforto do lar, lo-fi, com guitarra ou piano, em tempos de confinamento. Há pormenores que denunciam cuidado e ambição – um trompete aqui, um coro ali, ukelele, percussão discreta e certeira… Tudo a servir boas histórias de trovador (como A Incrível História de Gabriela de Jesus), letras bem-humoradas com que é fácil criar identificação (como As Velhas que Cosem as Meias dos Netos e o divertido e inspirado Fado do Diz-que-Disse), desafiantes jogos fonéticos que exploram a potencialidade da língua portuguesa (Balzac), mensagens simples como setas a acertarem no alvo (como na última das dez novas canções, Ainda Estamos Aqui).