Poderia passar por um álbum de arte luxuoso, desses deixados languidamente em cima das mesas de café. É um livro grande e volumoso, com capa dura, boa impressão e design irrepreensível, atento aos detalhes – a capa branca com o miolo frontal tintado de verde mimetiza as máscaras que usamos, as guardas contêm uma calendarização dos contágios e óbitos provocados pelo vírus da Covid-19, o texto inicial está disponível numa versão em braille, há páginas desdobráveis… Mas o seu propósito é mais altruísta e importante do que o de um veículo para mera fruição das imagens, funcionando como um registo documental amplo dos efeitos da pandemia. Uma super-reportagem de um momento excecional da História. Podemos perguntar-nos: porque é que estas imagens são tão importantes, se as vemos constantemente na nossa vida, na nossa rua? Porque a realidade teve e tem muitas camadas e protagonistas. E porque o tributo e a memória são a melhor estratégia para um mundo melhor, pós-confinamento e pós-vacina. E porque uma bela imagem também pode ser, agora, um requiem por mil lágrimas choradas.
Everyday Covid começou como um projeto de resistência: uma página no Instagram dos fotojornalistas Gonçalo Borges Dias e Miguel A. Lopes, que funcionou como “diário visual” entre 16 de março e 13 de junho. Diariamente, eram partilhadas fotografias, arrumadas como reportagem, documental, retrato de sociedade, diários caseiros, captadas, em Portugal e em Macau, por fotojornalistas, uma classe profissional com presente precário. O grande fluxo de imagens era diariamente editado por André Dias Nobre, Angelo Lucas, Gonçalo Borges Dias, Gonçalo Delgado, João Pedro Almeida, Miguel A. Lopes, Rui Miguel Pedrosa e Rui Soares.
O livro revela mais de 500 fotografias produzidas por 87 fotógrafos e fotojornalistas. E nada lhes escapou: as serenatas de consolo nas varandas, o desespero nos cuidados intensivos, a nova domesticidade, a solidão, os gestos políticos, os atos solidários, as despedidas sem testemunhas nos funerais, a cidade vazia, a inesgotável criatividade revelada nesta luta sanitária – sorrimos, por exemplo, com as imagens, registadas por Ana Brígida, dos funcionários da limpeza urbana da freguesia de Santo António vestidos de super-heróis… E paramos nessa metáfora visual captada por Hugo Delgado: uma mancha em movimento, uma ambulância do INEM adivinhada na pressa de um chamamento; ao lado, uma parede com uma simples palavra grafitada: “A vida.”
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