1.Uma História da Leitura, de Alberto Manguel

Tomai e partilhai este clássico reeditado, que une biografia, enciclopedismo, ilustrações a preto e branco, episódios inesquecíveis: uma caravana de livros de um grão-vizir persa transportados por camelos em ordem alfabética, a antologia improvisada de expressões infelizes de Keats ou Shakespeare feita por Borges, o afogamento dos livros todos (menos um) do explorador Amundsen no Polo Sul… Bibliófilo generoso, Manguel recorda-nos de que “todas as bibliotecas são autobiografias”, sejam tabuinhas de argila ou catedrais de papel. Tinta da China > 448 págs. > €24,90
2. Uma Vida no Nosso Planeta, de David Attenborough

Esta é uma viagem imperdível, agora na versão em papel. Aos 94 anos, o biólogo evolucionista e naturalista britânico faz um manifesto pela salvação da Terra, afligida por malfeitorias várias, e deixa o testemunho e testamento de uma “vida extraordinária”, a sua. Descrevendo as lutas do planeta e das espécies até à atualidade, sublinha que o “Holoceno foi o nosso Jardim do Éden”, de onde estamos prestes a ser expulsos, tristes Adões e Evas 3.0… Temas e Debates > 328 págs. > €18,80
3. Poemas Dramáticos e Pictopoemas, de Mário Cesariny

“Um histrião maior da República que transformava o mundo à sua volta em palco universal para as suas encenações e representações”, escreve Perfecto E. Cuadrado sobre Mário Cesariny (1923-2006). Cúmplice de teatradas e zarzuelas em casa do poeta português, o tradutor espanhol assume edição, prefácio e notas destes materiais indisciplinados, devedores do surrealismo, divididos em duas partes: textos investidos de teatralidade e diálogos, que incluem o poema-manifesto Consultório do Dr. Pena e do Dr. Pluma, a “farsa farsalhona” de Um Auto para Jerusalém e três peças inéditas em livro (Projecto de Rebelião, O Processo, Projecto Não Terminado para Teatro Radiofónico). E uma ampla recolha dos pictopoemas e colagens: recortes de jornais alinhados pelo acaso, jogos de palavras, pintura e imagens trouvées (Herberto aparece lá pelo meio), humor visual. Uma desobediência civil e literária inspiradora. Assírio & Alvim > 576 págs. > €44
4. Uma Terra Prometida, de Barack Obama

Redescobre-se a voz fluente, confessional e sensível ao pathos do mundo do político, que já mostrara talentos narrativos em A Minha Herança (2008). Abordando os marcos da sua presidência (primeiro Presidente negro dos EUA, o Obamacare, a morte de Bin Laden), a resistência à idolatria à sua volta, o poder da mulher, Michelle, sobre si, e até a consciência de que Trump era “uma atração”, logo “uma forma de poder, este primeiro volume de memórias ecoa um ansiado “regresso da América”. Objectiva > 824 págs. > €27,90

5. O Cânone, de António M. Feijó, João R. Figueiredo, Miguel Tamen
O título fez levantar sobrancelhas face a uma possível ambição hegemónica de decretar que escritores portugueses pertencem ao Olimpo. Os três editores assumem-no antes como “escolha excêntrica” (todas o são, dizem), e como conjunto de ensaios dedicados a escritores, todos mortos, que incluíram esquecidos (Bernardim Ribeiro? Florbela?), e excluíram ditos incontornáveis (Sophia, Cardoso Pires). Como “cânone entre outros” é um bom projeto para ir lendo em 2021. Fundação Cupertino de Miranda e Tinta-da-China > 535 págs. > €29,90
6. Café Bissau – Photographs 1964-2017, de Julião Sarmento

É um mergulho imersivo nas memórias do artista plástico, o deste volume editado por André Príncipe e José Pedro Cortes, que dispensa a compulsão dos autorretratos para contar uma vida intensa, livre, sensualista. Arrumadas em dípticos ou explodindo na dupla página, mimetizando a luxuriante espontaneidade e o rigor de enquadramento, estas imagens, na maioria inéditas, revelam décadas de exercícios com a câmara: amigos, mulheres, viagens, bestiário, lugares, corpos… O vício da observação. Pierre von Kleist > 128 págs. > €30
7. Orlando Furioso de Ludovico Ariosto contado por Italo Calvino, de Italo Calvino

O italiano que nos legou As Cidades Invisíveis ou Palomar homenageia o seu poeta eleito, Ludovico Ariosto (1474-1533), revelando uma leitura desassombrada desta tapeçaria de aventuras, um poema épico em 46 cantos emoldurado pelas belíssimas ilustrações de Gustave Doré. Obra quixotesca e viciante, em que, na guerra santa entre cristãos e muçulmanos, por entre subplots mil, um herói cavaleiro perde a razão (que será encontrada na lua) por amor à donzela Angélica. Cavalo de Ferro > 384 págs. > €23,99
8. Poses – Linguagem Corporal na Arte, de Desmond Morris

Em frente ao quadro A Mulher que Chora, de Picasso, Desmond Morris e Francis Bacon discutiram por causa das expressões faciais. O pintor diria depois ao amigo biólogo e etólogo de quem lia os ensaios: “Acho que já apanhei o grito, mas estou com muitas dificuldades no que toca ao sorriso.” Omnipresente nas bibliotecas dos anos 1970 com o livro O Macaco Nu, crente de que o corpo emite tanta informação como a palavra, Morris elabora, aqui, um estudo da linguagem corporal humana profusamente ilustrado com obras antigas e contemporâneas que passa bem por um coffe table book. Mas é um dicionário fascinante e vasto de posturas corporais na arte (e, consequentemente, de política, estética e narrativa humanas) que vai além do senta-deita-venera: há o estar de cócoras, o punho erguido, o bocejar, os braços cruzados (Paula Rego é mostrada aqui), o mostrar as nádegas (o street artist Nick Walter levantou o vestido a Mona Lisa…). Uma revelação. Bizâncio > 320 págs. > €15,50
9. O Mundo à Minha Procura – Autobiografia volumes I, II e III, de Ruben A.

Dizia ele que escrever uma autobiografia era projeto para os 40 anos: “Dos 40 aos 50 limpa-se a casa. Põem-se telhas onde faltam, instala-se um novo sistema sentimental, e no jardim das delícias (…), nas madrugadas sem Deus, ouvimos uma voz que nos buzina que dali para a frente a contagem é outra.” No ano da celebração do centenário do seu nascimento, é bom reencontrar o primo de Sophia, aluno de Agostinho da Silva e amigo epistolar de T.S. Eliot. Uma voz heterodoxa.
Assírio & Alvim > 736 págs. > €24

10. Calendário Perpétuo, de João Pinharanda e Cabrita
“Todos os diálogos são monólogos sobrepostos”, lê-se nesta edição com certa monumentalidade, com 366 aforismos e 366 desenhos inéditos criados especialmente por Pedro Cabrita Reis, assumindo-se como uma peregrinação liberta do tempo – um “eterno retorno”. Pinharanda já ensaiara o formato antes, mas o exercício formal e linguístico que, diz, sempre o interessou em Pascal, Wilde ou Almada, transformou-se numa meta algo meditativa: escrever um aforismo por dia e refletir sobre o mundo (da arte) próximo. Documenta > 790 págs. > €25
11. O Mapeador de Ausências, de Mia Couto

Diogo Santiago, poeta e intelectual moçambicano que regressa à sua Beira natal depois de muitos anos de ausência, na véspera do ciclone Idaí, desatando uma peregrinação pelo passado dos pais e da pátria, é filho de Adriano. E Mia, filho do jornalista e poeta Fernando Couto, adivinha-se, é Diogo. É que esta narrativa “ficcional”, com um tom menos onírico do que lhe conhecemos, é inspirada no real, no pai português, “um homem ingénuo a quem entregam provas de um massacre cometido pelas tropas portuguesas em Moçambique no ano de 1973”. O novo romance de Mia Couto – que recorda a mãe “prática”, as duas viagens a lugares de antigos massacres, a perseguição pela Pide – é uma viagem poderosa em dois tempos, o da pré-independência, em 1973, e a atualidade de 2019; e dois ritmos, o dos diálogos e o da correspondência epistolar. Caminho > 416 págs. > €18,90
12. Uma História de Espanha, de Arturo Pérez-Reverte

Na capa, promete-se um “relato pessoal e pouco ortodoxo da acidentada História de Espanha”. E ao vermos o nome do autor, Arturo Pérez-Reverte, ex-jornalista de guerra transformado em ficcionista de bestsellers, sabemos que podemos contar com uma escrita fluida, enérgica, vibrante. É, desde logo, “pouco ortodoxa” a ambição de contar em 240 páginas toda a longa História de Espanha, desde bem antes de ela o ser até aos nossos dias. O autor não se intimida e avança, em tom de conversa com o leitor, com a pose de cronista bem informado e com opiniões, em capítulos com títulos como: Sarrabulho em Navas, Napoleão Inferniza-nos ou Quanta Treta e Quanta Merda!. Uma História de Espanha é uma leitura estimulante em mais um momento cheio de conturbações daqueles com quem partilhamos a Península Ibérica. E, afinal, isto anda tudo ligado… P.D.A. Asa > 240 págs.> €16,90
13. O Infinito num Junco, de Irene Vallejo

Quando tantos vaticinaram a queda do livro, como se de um império condenado se tratasse, eis um volume genial que o evoca como uma invenção extraordinária capaz de ombrear com as maiores descobertas tecnológicas, e um poderoso aliado ancestral que permanece acessível a todos. O Infinito num Junco é “uma homenagem ao livro, de uma leitora apaixonada”, nas palavras de outro bibliófilo, Alberto Manguel. É também uma magnífica cavalgada, escrita com agilidade narrativa e amor, que percorre esta invenção desde a antiguidade, fornecendo pistas para serem seguidas – aludindo ao inspirado início, em que Irene Vallejo, filóloga espanhola galardoada com o Prémio Nacional de Literatura-Ensaio de Espanha, imagina frenéticos cavaleiros montados em ginetes em busca de livros para a Biblioteca de Alexandria. Bertrand > 456 págs. > €19,90
14. Nexus, de Henry Miller

“Estar livre da escravidão do amor, arder como uma vela, derreter-se em amor, derreter-se com amor: que felicidade! Estará ao alcance de criaturas como nós, fracas, orgulhosas, vaidosas, possessivas, invejosas, ciumentas, inflexíveis e rancorosas? Claro que não. Para nós, a corrida de ratos – no vácuo da mente.” Último livro da trilogia Rosa-Crucificação, iniciada com Sexus e Plexus, este agora reeditado Nexus replica a fusão de autobiografia descarada, delírio metafísico, erotismo desbragado e literatura faminta, que marcou a escrita desse rafeiro americano, um príapo no vórtice de ambição e camas, que foi Henry Miller (1891-1980). Aqui, ele escalpeliza os meses em que vivia em Nova Iorque com a ardente Mona (isto é, June Miller, a mulher por quem ele deixou a primeira esposa e filho) e a amante desta, a instável Stasia (Jean Kronski), num triângulo desvairado. Na casa escura, aonde acorriam cobradores, loucos e amigos para a “pedinchice dos cigarros”, com um verso da Eneida inscrito no autoclismo, Henry vive numa “Sibéria mental”, povoada de aventuras sexuais e figuras boémias, atormentado pelo dever de escrever um romance. “Há noites em que tudo corre porreirissimamente”, as personagens a “cantarem à tirolesa” no seu cérebro. “Nessas noites, sei que esta vida de escritor é a única vida”, afirma. Um retrato visceral, exibicionista até, do salto antes do voo literário. Livros do Brasil > 392 págs. > €17,70