Quantos leitores serão, hoje, capazes de identificar dois, cinco, dez poemas de Luís Miguel Nava (1957-1995), autor nascido em Viseu e reinventado como chama brilhante que ardeu nas noites lisboetas dos anos 80, e depois transportado como entediado funcionário das traduções europeias para Bruxelas, onde foi morto na sua casa, com a ímpia idade de apenas 37 anos, deixando órfã uma geração de leitores e de seguidores?

Não é por envelhecimento do verso ou expiração do prazo de validade da escrita: esta permanece habitada por um fulgor visceral, luminoso, implacável, em que o corpo é um lugar semelhante ao da rebentação marinha – violências e torvelinhos, seduções e constante mutação – e as palavras são uma constelação aberta a metáforas e à malaise, à finitude de tudo o que antes pulsou, ao azul e à luz que “solidifica”, aos despenhadeiros dos afetos.
“O sol declina-me no espírito, do meu mundo interior vêm-me as sombras ocupando aos poucos o lugar da pele”, reclamava o parágrafo poético de As Sombras. Poderíamos parafrasear o próprio Nava: “(…) creio ter já visto um livro brilhar como /se fosse o mar quem nele ao rebentar depositasse o texto.” Poesia reúne tudo o que há dele, numa edição cuidada de Ricardo Vasconcelos: um reencontro necessário, que larga pistas e sementes nos inéditos – o texto em prosa O Livro de Samuel e os fragmentos poéticos de Romance, que evidenciam a sua ânsia de devassar as fronteiras do corpo e do ser, partindo do primeiro para amplificar o segundo. Isto é, “a carne acesa como um rádio, com toda a estereofonia dos sentidos à mostra”.