Nos tempos em que Paris era o centro do mundo, Amália tomou conta da cidade. De todas as suas gravações no estrangeiro, as francesas são as mais significativas e carismáticas. E é precisamente à volta desses registos que a Valentim de Carvalho edita agora esta caixa de cinco CD, que permite uma perspetiva abrangente das atuações de Amália – embora, claro está, seja sempre uma pequena amostra das largas dezenas de concertos que a fadista deu na capital francesa. Esta magnífica coletânea agora editada é fruto de mais um abrangente trabalho, feito por Frederico Santiago, de inventariação e organização do espólio da artista.
Quando Amália deu o seu primeiro concerto em Paris, em 1949, no pós-guerra, não era de todo uma cantora inexperiente. Mesmo no estrangeiro, já havia atuado uma temporada no Brasil, no Casino Copacabana, e também em Espanha, onde o seu nome era bem conhecido. Contudo, Paris foi o lugar onde conseguiu maior visibilidade, sobretudo a partir do concerto de 1956, no Olympia, que lhe abriu as portas do mundo inteiro, tornando-a uma das mais viajadas mulheres da sua época e desbravando uma rota internacional, muito antes do circuito da world music – e que facilitou o caminho das gerações vindouras, de Madredeus a Dulce Pontes, de Mísia a Mariza e Ana Moura.
Possivelmente através da experiência nas casas de fado durante a Segunda Guerra, quando por Lisboa circulava um público estrangeiro erudito, Amália Rodrigues criou, com todo o seu instinto e inteligência, uma ideia de espetáculo de palco. A fadista tinha a plena noção de que não resultaria apresentar ao público parisiense um conjunto homogéneo de fados tradicionais, cheios daquela dor que ela cantava tão bem. Então, de forma muito natural e genuína, foi construindo um reportório heterogéneo, em que alternava esses fados tradicionais com fados-canção e até alguns temas de folclore, acrescentando-lhes temas em francês (como Aïe, Mourir pour Toi, de Charles Aznavour). Conhece–se até a anedota do espectador francês pouco esclarecido que terá dito que gostava muito daquele “fado do malhão”. Amália em Paris é um registo imperdível para fãs e estudiosos, mas apropria-se a todos os públicos. Pretexto perfeito para voltar a ouvir Amália e perceber como a sua voz se mantém teimosamente atual.
Na compilação organizada por Frederico Santiago, todos os extras (textos e fotografias) são pérolas. Os cinco discos de Amália em Paris centram-se em concertos no Olympia, em 1956, 1967 e 1975, mas também passam por outras salas parisienses e gravações radiofónicas. Um retrato abrangente e sempre deslumbrante.